quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Freedom!!!


Alguns anos atrás li um livro chamado “O Jesus Que Eu Nunca Conheci” de Philip Yancey, naquela ocasião me tornei um admirador deste autor, depois deste título adquiri e li outra dezena de livros de Philip, quase todas as publicações dele disponíveis no Brasil. Na ocasião, o impacto da leitura do livro causou-me um fascínio pela pessoa e obra de Jesus. Sim, eu já era um cristão desde criança, e já era um evangélico professo há algum tempo, mas Jesus ainda era um ilustre desconhecido para mim, eu já havia ouvido muitas histórias sobre ele, já havia ouvido sermões em uma igreja batista que me levaram a crer que eu precisava “aceitar” Jesus como meu salvador pessoal, mas, ainda não conhecia Jesus, ele era um vulto de algo muito grande para que eu percebesse, na minha cabeça ele ainda era um Deus de quem eu deveria guardar uma distância de segurança, e um respeito solene e impessoal. Eu me relacionava com a igreja, na ilusão de que ela era tudo que eu poderia saber sobre Jesus, a igreja me dizia o que era certo e errado, a igreja me dizia o que era bom ou mal, ela me ensinava como me comportar, e como “fazer a vontade de Deus”. Ou seja, eu era um crente institucionalizado.
Hoje eu olho para traz, para tudo o que eu aprendi na igreja e me pergunto como eu pude estar tão perto e tão longe da pessoa de Cristo por tanto tempo. Como eu podia olhar para o rosto dele e conhece-lo se minha visão estava ofuscada por um véu de religiosidade e tradição? Eu estava exatamente como Paulo diz acerca daqueles que liam a Tora, até então ainda existia um véu sobre meu coração que precisava ser retirado (2 Co 3:14-15). Mas graças a Deus me converti da religiosidade para Cristo e o véu me foi tirado (vs 16), e agora posso viver a liberdade que há nos Espírito do Senhor (vs 17), refletindo a Sua glória sendo assim transformado dia a dia à imagem de Cristo (vs 18).
Eu havia aprendido a pautar minhas crenças em um híbrido de Antigo Testamento com Novo Testamento, ninguém tinha tido a coragem de me explicar o que está escancarado no em 2 Co 3:14 - Mas os seus sentidos foram endurecidos; porque até hoje o mesmo véu está por levantar na lição do velho testamento, o qual foi por Cristo abolido; Assim eu me esforçava por cumprir o que já fora cumprido por Cristo na cruz, me debatia tentando viver conforme aquilo que havia sido abolido por Jesus quando ele tomou meu lugar naquele madeiro. Mais um texto que não me explicavam: Rm 10:2-4 - Porque lhes dou testemunho de que têm zelo de Deus, mas não com entendimento. Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus, e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus. Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê. Esse era eu, zeloso de Deus, mas sem entendimento.
Assim vivia eu, descartando alguns mandamentos que não eram mais necessários e defendendo outros que eram interessantes para a instituição, uma mescla esquizofrênica de Lei e Graça, onde a graça era só um tópico teológico e a Lei, essa sim, era a vivencia da fé mutante que se instalara em mim. Até hoje quando penso sobre este assunto me surpreendo pela minha incapacidade de questionar porquê não precisávamos mais guardar os cerimoniais levíticos, mas usávamos os textos levíticos para defender a obrigatoriedade cultual de se entregar dízimos.Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo (1 Co 5:17) hoje vivo uma espiritualidade genuína, simples e sem ostentações, sendo grato a Deus por sua Graça derramada sobre minha vida, conforme tudo o que se diz em Rm 3:20-24 - Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado. Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas; Isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem; porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Espiritualidade de Árvore de Natal


Nesta época do ano, as comemorações do natal colorem e enfeitam as ruas, casas, shoppings, praças com luzes papeis brilhantes, bolas de vidro, guirlandas e uma infinidade de materiais dependendo da criatividade de quem produz o espetáculo do comércio de natal.
Dentre todos os símbolos de natal, o que mais me impressiona é a árvore de natal, muitas são as explicações da origem do costume de se enfeitar um pinheiro na época do solstício (21 de Dezembro), a minha preferida é a que relaciona o costume da árvore com Ninrode, diz a tradição que ele era tão profano que se casou com a própria mãe, Semíramis. Depois de sua morte, seu corpo foi cortado em pedaços e enviado a vários lugares. Então sua mãe/esposa reivindicou ser ele o deus-sol. Mais tarde, quando Semíramis deu à luz seu filho Tamuz, exigiu para este o título de herói, o Ninrode renascido. Ela dizia que um grande pinheiro havia crescido da noite para o dia, brotando de um tronco de árvore morta, o que simbolizava a ressurreição de Ninrode para uma nova vida. Todo ano no dia do aniversário do nascimento de Ninrode, Semíramis afirmava que ele descia para visitar a árvore, sempre viva e verdejante, deixando nela muitos presentes. O dia do aniversário de Ninrode era 25 de dezembro – dia do deus-sol.
Mas não quero dar explicações sobre a origem dos símbolos natalinos, e tampouco discutir a conveniência deles. Minha intenção é meditar sobre o que acontece com um pinheiro nesta época do ano. Como algo que é naturalmente belo, como toda criação de Deus, ganha uma maquiagem, uma capa, uma superprodução que torna a beleza divina em algo artificial, mecânico, artificial. Podemos perceber que há uma tendência humana de alterar o curso da natureza e tentar fazer mais bonito aquilo que já é naturalmente belo. São tantos recursos, tantos adereços e luminosidade artificial que fica difícil discernir a verdadeira essência do pinheiro.
Gostamos de enfeitar coisas, quadros na parede, brincos nas orelhas, néon no interior dos carros, etc. Não é fácil ver beleza na simplicidade, é trabalhoso constatar a beleza natural das coisas, e um exercício titânico apreciar o simples o humilde. Somos apegados ao grande, brilhante, sonoro, colorido, complicado, misterioso, enfim... gostamos de tudo produzido.
Tudo bem quando a mania de enfeitar está relacionada a casa, corpo, carro, comércios, mas fica meio estranho quando essa mania atinge a espiritualidade. O que mais tenho visto hoje em dia são igrejas que se parecem mais árvores de natal, cheias de brilho, enfeites, cores, presentes, mas com sua essência ofuscada pelo brilho artificial das manias humanas. Vou resistir a tentação de desenrolar aqui um cordel de acusações contra as práticas comerciais e cinematográficas do evangelicalismo nacional, já deixei bem clara minha repulsa a tais práticas em outras postagens neste blog.
Como é época de natal, e alegamos comemorar o nascimento de Cristo neste período, senti-me tocado a postar algo sobre a simplicidade com a qual Deus entra neste mundo, a forma modesta, simples e silenciosa como Jesus, o salvador do mundo, entrou em cena na história humana. Como testemunhas de sua chegada, um casal sem lugar para se hospedar, alguns animais e um grupo de pastores maltrapilhos, somente isto, não havia nenhum coral humano saudando a chegada de Deus, havia sim um coral de anjos adorando o menino-Deus, mas a apresentação foi vista apenas por aqueles humildes pastores. Deus não se impressiona com luzes, sinos, banquetes e nada do que nossa criatividade possa produzir. Fica claro no episódio do nascimento de Jesus, que Deus não é impressionável, que o relacionamento que ele espera com sua criação não passa pelos cultos elaborados, cheios de ritos e danças hipnóticas, nem pelos mantras extáticos que convencionamos chamar de louvores. Deus não está interessado em ofertas do estilo leilão, quem dá mais em troco desta benção? Deus não está preocupado com o tipo de gesso usado para cobrir o teto do templo, e muito menso com a quantidade de pontos por centímetro do tapete do altar. Enfim, jejuns, luas novas, shofar, coberturas, são tantas bolas de natal coloridas, tantos frufrus... espiritualidade de árvore de natal, do tipo que dura um mês e meio e depois se esmaece no dia de reis.
Fenômeno cada vez mais comum... pessoas compram um monte de enfeites que determinada religião vende como sendo garantia de felicidade eterna, mergulha naquela fantasia durante um tempo, e depois perde a graça, se enche dos pisca-piscas, se irritam com a não concretização do seu desejo de ser abençoado, e joga toda aquela tralha colorida numa caixa empoeirada no interior de sua alma escura, tornando-se então mais endurecido do que antes.
A proposta do natal é totalmente outra, quando Deus decide habitar entre nós a intenção era trazer paz ao coração do homem, simplificar todo processo de pacificação baseado nos rituais, nos enfeites, nos procedimentos e gestuais purificadores. Cristo quer nos dar vida em abundância, retirar todo o impedimento, toda a separação entre Deus e homem. Meu desejo neste natal é que todos quantos lerem esta simples mensagem, se desvencilhem de toda fantasia, de toda artificialidade de relacionamento com Deus, e se deixem expostos, como pinheiro natural, sem bolas ou fitas, que se aproximem com ousadia daquele que já não nos condena, mas ama incondicionalmente. Oro para que Jesus encontre você sem mascaras, sem enfeites, sem luzes piscantes e que ele possa adornar você com as vestes da simplicidade e da paz celestial. Feliz Natal!!!

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Evangélico Mundano




Já faz algum tempo que não escrevo neste espaço, acho que meus assuntos se esgotaram, nunca fui muito bom de prosa. Mas, como sei que existem alguns que sentem falta dos textos que aqui são postados, seja por sentirem-se tocados por eles ou para vigiar meus passos na nova caminhada que assumi em minha vida, sinto-me impelido a escrever algo para satisfazer os dois grupos de pessoas acima.
Recentemente um fato hilário aconteceu comigo, e me fez meditar nos valores cristão de nosso tempo. Tenho o hábito de ficar conectado ao MSN e ouvir músicas ao mesmo tempo, e a maioria dos usuário de MSN sabe que existe uma opção que pode ser ativada nas ultimas versões deste aplicativo, que exibe a música que você está ouvindo no Windows Média Player, como mensagem pessoal na sua janela do MSN. Pois bem, Tenho uma lista considerável de CDs em minha biblioteca do Média Player, e dentre elas figurava uma faixa chamada “A primeira Vista” de Daniela Mercury, pensei em explicar aqui a razão pela qual esta faixa figura entre as músicas de minha biblioteca musical, mas isso seria me fazer escravo de homens, querendo me justificar diante deles, por isso prefiro não explicar e deixar que os juizes da Inquisição Evangélica façam suas suposições, basta apenas dizer que não aprecio o tipo de música que Daniela Mercury faz, não por ela ser uma “mundana” conforme a classificação musical oficial da igreja evangélica nacional, mas porque tenho outro estilo musical.
Num é que um de meus “amigos” do MSN ao ver que estava tocando uma música “mundana” em meu computador, se escandalizou e saiu comentando com as pessoas que eu estava ouvindo aquele tipo de música, e outros comentários provavelmente surgiram, porque sei muito bem como no meio evangélico quem conta um “ponto aumenta um conto” (e não é erro de digitação). Agora vez ou outra deparo com pessoas que me sondam acerca do ocorrido, querendo saber se eu tenho realmente praticado a abominação de ouvir musicas “mundanas”, ou porque eu apaguei meu orkut, este é outro assunto que nem sequer perderei tempo tentando explicar, e por ai vai.
Como já mencionei, não vim aqui para fazer um pedido público de desculpas, mesmo porque se ouço ou não ouço musicas de Daniela, Zeca Pagodinho, Roberto Carlos, Ana Paula Valadão, Hillsong ou quem quer que seja, é um problema absolutamente meu, não tenho que prestar contas a nenhum público ou platéia que antes me aplaudia e agora me condena, não vivo da minha imagem pública, vivo conforme a minha consciência, e presto contas somente a Deus. O que quero meditar com esta postagem, como também já mencionei, é em certos valores que norteiam a classe evangélica deste país.
A primeira coisa que me chama atenção neste episódio cômico é como as pessoas na igreja vivem de tradições e desprezam, ou não conhecem os ensinamentos de Jesus. Sim, temos um ensinamento de Jesus que se aplicaria neste caso e que não foi aplicado pelo meu desastrado “amigo” de MSN. Em Mt 18:15 é dito que se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão; não bastasse esta ordem de Cristo aqui em Mateus, Lucas acrescenta: “olhai por vós mesmos” (Lc 17:3) antes de citar a mesma frase encontrada em Mateus. Ora, se alguém comete algo contra o incrédulo ele não tem nenhuma obrigação de exortar seu opressor, pode sair difamando aquele que o ofendeu, pagando na mesma moeda ou até em moeda mais alta, mas se um cristão é ofendido deve seguir o ensino do seu mestre e chamar o ofensor na regulagem para ganha-lo de volta. Lucas ainda completa o dito de Jesus acrescentando que se eu ouvir sete vezes Daniela Mercury no dia e me arrepender sete vezes meu irmão deve me perdoar (Lc 17:4), mas para isso eu preciso ter a oportunidade de me arrepender e ser perdoado antes de sofrer as pedradas.
Outro assunto interessante que se evidencia neste fatídico acontecimento, é o preconceito evangélico contra as pessoas que não se rotulam com a mesma marca de igreja. Existe uma bula papal, que cresce a cada dia, relatando quais pessoas podem e quais não podem ser ouvidas, quais musicas são “ungidas” e quais não são, o que é evangélico e o que é mundano. Se um cantor de pagode chegar na igreja e pedir para se apresentar e vender alguns CDs ele não será aceito, é um mundano e deve ser mantido fora do púlpito, lugar sagrado. Mas, se este mesmo cantor entrar na igreja dar uns pulos e disser que agora é evangélico, ele só precisa voltar para casa trocar na letra de suas mesmas antigas músicas, o nome da mulher para quem compôs a música pelo nome de Jesus, e no outro dia pode voltar na mesma igreja e falar com o mesmo pastor que o rejeitou e certamente terá duas horas do culto para dar o seu “testemunho” cantar suas músicas, que ontem eram mundanas e hoje foram maravilhosamente ungidas pelo nome de Jesus, e vender seus CDs na porta da igreja que ontem estava fechada para ele, mas hoje se abre e faz faixas e anúncios em carro de som, para convocar o maior número de pessoas possível, para ouvirem o grande testemunho do irmão fulano de tal de como sua vida foi transformada misticamente pelo encontro sobrenatural que teve com Jesus, ontem.
O que é ser evangélico e o que é ser mundano? A linha que separa estes dois grupos de pessoa é muito tênue, e se afina exponencialmente se o mundano é famoso e passa a se chamar evangélico, ele não precisa ser transformado pelo andar diário e intenso com Jesus, só precisa se dispor a usar o púlpito para contar às multidões que se acotovelam para ver o grande sinal de poder manifestado naquele que antes era imundo e agora, num passe de mágica se tornou santo, de que forma maravilhosa Deus o salvou e o rotulou de evangélico.
Mas eu fico me perguntando, o que era evangélico para Davi, quando ele dançava quase nu em público diante da arca, será que tocava um ritmo gospel ou um axé? O que era evangélico para Salomão, quando escreveu o Cântico dos Cânticos? Será que ele ouvia Lagoinha ou Chimarruts, enquanto beijava sua parceira e lhe elogiava a beleza? Mai vamos direto ao ponto, o que era evangélico para Jesus, será que ele ungiu os instrumentos antes de ouvir a música que tocava nas bodas de Cana? Ou será que ele pediu o regente para trocar o ritmo porque seus ouvidos eram santos demais para ouvir reggae? O que fazer para tornar uma música mundana em evangélica? Mudar de gravadora seria solução? Será que se Daniela amanhã se “converter” depois de perceber que o mercado fonográfico evangélico pode ser tão, ou mais, lucrativo quanto o mercado mundano, e começar a colocar Jesus escondido em uma ou outra linha de suas canções, eu deixaria de ser um desviado e passaria a ser considerado um profeta, porque vislumbrei sua conversão antes de todo mundo?
O que faz das músicas evangélicas menos mundanas que as “mundanas”? Vejamos, os grupos evangélicos gastam fortunas na produção e divulgação de seus CDs, usam muitas vezes os mesmos estúdios, contratam profissionais “mundanos”, usam instrumentos “mundanos”, gravam seus discos no mesmo material que os “mundanos”, vivem num mercado que segue as mesmas regras do mercado “mundano”... Ou será que os evangélicos acham que os grupos evangélicos não visam lucros? Ou será que os grupos evangélicos não disputam lugares nas paradas de sucesso gospel? ou será que os grupos evangélicos não ficam cada dia mais ricos, famosos e vaidosos, vendendo musica de má qualidade para os evangélicos que não sabem diferencial entre dó e ré? Ou será? Ou será? Ou será? Mais um será: será que se um "mundano" ouve musicas evangélicas ele se torna cristão???
Bom eu poderia colocar dezenas de serás aqui... Mas para não me prolongar, quero concluir. Evangélico ou “mundano”? Todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os contaminados e infiéis; antes o seu entendimento e consciência estão contaminados." (Tito 1:15). To cansado de ouvir histórias de grupos evangélicos que cobram alto para se apresentarem, fazem exigências dignas de estrelas de Hollywood, to cansado de saber quem são as inspirações de muitos destes grupos evangélicos, se eu ouço musica “mundana”? Me diga você se existe algo que não seja “mundano” no mundo? Me diz você quais são os verdadeiros quesitos para diferenciar o que é um e o que é outro? "Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal." (João 17:15). Repito aqui está oração de Jesus: que Deus não me faça surdo ou cego para este mundo, mas que ele me livre do mal que existe, mesmo dentro do que se convenciona chamar evangélico.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A espiritualidade que quero


Quero uma espiritualidade que envolva todos os aspectos da vida humana. Estou cansado da espiritualidade esquizofrênica que mutila a imagem humana, tornando-a um tipo de mutação genética, algo semelhante a um Frankenstein criado pela vaidade de homens cheios de conceitos rígidos e monocromáticos da vida.
Estou farto da espiritualidade que supervaloriza o satânico, que pauta suas práticas e conceitos pelo temor exacerbado de demônios e toda sorte de espíritos obcessores e encostos que possam vir a castigar com suas maldições, hereditárias ou adquiridas, aos que se comportarem mal.
Não me sacia a espiritualidade que se cerca de exterioridades para esconder o que por dentro nada mais é do que sepulcros cheios de podridões e morte. Causa-me asco a espiritualidade que ambiguamente, ao mesmo tempo que demoniza determinados aspectos da perfeita criação de Deus, santifica outros elementos materiais, tais como ouro, prata, papel moeda, mansões e carros do ano.
Em lugar desta espiritualidade cheia de frivolidades e excentricidades, busco aquela espiritualidade que vejo em Jesus. O tipo de espiritualidade que dignifica os pobres e famintos desta terra, que vê no sorriso inocente e gratuito de uma criança posse do reino de Deus. Que não faz distinção entre gente e gentes. Uma espiritualidade que come sem lavar as mãos, e mesmo assim não se contamina por nada do que come.
A espiritualidade que permita a homens e mulheres os mesmos direitos e deveres, que saiba perceber o traço da imagem do Criador em ambos os gêneros. Que a espiritualidade seja livre para dançar e cantar, para imaginar e criar, para sonhar e realizar, para errar e acertar, para se alegrar e chorar, para temer e tremer mas também para encarar e vencer.
Uma espiritualidade assim, que prega o evangelho não por torpe ganância ou por vaidade de grandes rebanhos, mas porque não pode negar a si mesmo, não cabe dentro dos padrões religiosos, isso porque a religião é a vergonhosa tentativa frustrada da humanidade de ser auto-suficiente, e a espiritualidade que vê com ternura o tropeço desajeitado mas bem intencionado do irmão, tem que, necessariamente, descansar sobre a própria dependência e carência, e nunca sobre a própria força e capacidade.
Uma espiritualidade genuína deve ser construída através de experiências pessoais com Cristo, e não sobre teorias e doutrinas decoradas de livros, ou de papagaios eletrônicos que sempre repetem os mesmos rígidos e mortos mandamentos empedernidos, e que são gravados em corações rochosos, que nunca aprendem o significado de misericórdia quero e não sacrifícios.
Para se alcançar este tipo de espiritualidade não existem métodos, nem 5 passos, nem segredos, ou “como fazer para”. Mas existe um requisito, básico, jamais julgar, porque com a mesma medida que julgar você será julgado. Aprenda a receber com gratidão o seu salário e nunca questionar a justiça do patrão quando o vir pagando o que, aos seus olhos, é melhor para aquele que trabalhou menos que você.
Enfim, como disse nada do que eu escrever aqui irá direcionar e, muito menos, construir a espiritualidade de ninguém. Exceto a minha própria. Assim sendo, que tal se você parar de ler este texto e começar a viver mais a vida do lado de pessoas reais? Tomando mais sol, sentindo mais o vento, conversando com gente de verdade, e consigo mesmo? Ou quem sabe fazendo uma oração?

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A doença do Véu.



É somente na Graça que a Escritura não é uma pedra seca e morta. Ora, para que entendamos isto melhor, é necessário que olhemos com carinho para o texto de Paulo em II Coríntios 3: 1 a 18.
A relação de Paulo com os Coríntios foi forte e contundentemente passional. Ele chegara à cidade e lá encontrara Priscila e Áquila—um casal de Judeus que haviam deixado Roma porque Cláudio, o Imperador, ordenara que de lá saíssem todos os judeus!
E como eram do mesmo ofício, Paulo e Áquila, começaram a trabalhar e morar juntos, fazendo tendas. Aos sábados, todavia, Paulo pregava na sinagoga!
Havendo conturbação entre os judeus ante a mensagem da Graça em Cristo anunciada pelo apóstolo, Paulo não teve mais ambiente para permanecer usando a sinagoga como lugar de pregação. Então, iniciou seus ensinos da Palavra na casa de Tício, que era vizinha à sinagoga.
Em meio a não poucos conflitos, envolvendo ameaças de natureza tanto legal quanto à vida de Paulo, este temeu. O Senhor, todavia, numa daquelas noites, lhe falou, dizendo: “Não temas! Fica na cidade pois eu tenho muito povo nela”. Paulo, portanto, permaneceu em Corinto quase dois anos.
A relação dele com a igreja que ali nasceu tornou-se forte, e, como já disse, de certa forma, passional!
Para concluir isto, basta que se Leia as duas epístola que Paulo lhes escreveu. Todavia, é na segunda carta aos Coríntios que esse sentir apaixonadamente dolorido melhor se expressa.
O interessante é que mesmo em meio à paixão humana do apostolo, é fácil perceber como seus sentimentos aparecem sem comprometer jamais a verdade da Palavra.
Paulo era um homem que sabia sentir a dor da rejeição sem deixar de expor, com isenção, a verdade da Palavra, não adulterando-a jamais a seu favor!
Ora, é nessa viagem entre o sentir humano e a revelação da Palavra, que a verdade se manifesta como resposta divina ao contexto em questão!
A revelação, raramente, não se faz acompanhar pelo sentir de seus mensageiros. Sábios são aqueles que a separam de seu próprio sentir ou os que sentem sem, todavia, sentimentalizarem a revelação à seu favor.
É só assim que uma carta de um ser machucado pode se tornar uma epístola de um ser inspirado!
Neste trabalho, no entanto, não desejo explorar essa dimensão da veicularão da revelação através dos ambientes conturbados da alma do mensageiro. Para mim, isto é tão óbvio que, pelo menos agora, não é do nosso interesse imediato.
A epístola toda tem sido objeto de inúmeros estudos eruditos. Os “arranjos” à que ela tem sido submetida, são inúmeros. Para nós, no entanto, todas as discussões de natureza literária são irrelevantes. O que vale é a mensagem e, esta, não importando as interpretações de natureza histórico-literária, é a mesma:

Um apóstolo apaixonadamente sofrido, sentindo-se traído e desconsiderado pela igreja que fundou, e que, agora, além de des-conhecer seu pai espiritual, ainda se entregava às seduções de “falsos apóstolos”, dos “obreiros fraudulentos”, que “adulteravam a Palavra de Deus”, e criavam um “outro evangelho”, pois eram, de fato, “mercadores do “evangelho”, ainda que tivessem o impressionante “poder” de se transformarem em “anjos de luz e ministros de justiça”.
A questão é: que “obreiros” são esses e que “evangelho” é esse que subverte aquilo à que Paulo chama de Evangelho da Graça de Deus?
É opinião praticamente unanime que os tais “adulteradores da Palavra” eram os cristãos judaizantes ou os judeus próximos à igreja, e que tentavam, insistentemente, trazer aos cristão a culpa de não serem pessoas que observam a Lei de Moisés. A prova disto é a seqüência do texto, onde as ilustrações são todas as da Lei e de sua produção na mente humana.
Como eu disse inicialmente, corre-se o risco de se ficar tão impressionado com as “pulsões” emocionais do homem Paulo neste embate, que deixa-se de perceber a mensagem.
Ou seja: fica-se com o que está “escrito” e não se percebe, ao nível da Palavra, o que está, também, “dito”, como expressão dos conteúdos da revelação!
Propositadamente abandono aqui os aspectos de natureza histórico-factual e mergulho exclusivamente na mensagem que Paulo faz viajar em meio às suas dores e passionalidades apostólicas.
Ora, assim fazendo, o que se vê, é, basicamente, o seguinte:
O que o ministério de Paulo gerara neles, pela obra do Espírito, era algo que realizava o sonho dos profetas, que era ver a Palavra inscrita não nas exterioridades do comportamento assustado pela Lei, mas impressa na consciência, nos ambientes do coração.
Os resultados da interiorização da Palavra, inscrita pelo Espírito do Deus vivente na consciência humana, não era humanamente realizável, sendo, portanto, algo à que Paulo se refere excluindo-se como agente essencial, pois, ele sabia, aquela era uma obra para a qual não há meios humanos de faze-la acontecer. A participação de Paulo era—sem suficiência própria—, apenas pregar o Evangelho da Graça e crer que o resto do trabalho era obra do Espírito de Deus.
A certeza de Paulo de que dera uma passo muito para além das basicalidades das pregações estereotipadas e exteriorizadas sobre as virtudes da Lei, vinha do fato que ele sabia que a Lei—conquanto boa e santa—, servia apenas para mostrar a nossa “insuficiência”, em relação a sermos salvos por ela. Paulo não se sentia suficiente nem mesmo para pregar a Graça e suas virtudes—como se procedessem dele—, quanto mais a Lei, como se por ela alguém pudesse ser salvo!
O argumento dele é o de sempre: “a letra mata”. A observância da Lei salvaria apenas aquele que pudesse cumpri-la toda. E como não existe, à parte de Jesus, ninguém que a tenha cumprido complemente—dos ambientes interiores às suas sutis exterioridades—,todos, portanto, por ela, se colocavam apenas sob os desígnios da culpa e da morte.
Tendo isto em mente, chega agora a hora de olharmos para a Palavra e não apenas para a “epístola de Paulo”. E qual é a “mensagem” que ela carrega para nós hoje?
Inicialmente, Paulo diz que a Lei e sua Gloria são coisas de outrora, diante da sobreexcelente Gloria do evangelho da Graça de Cristo. Todos os verbos por ele usados em relação à Lei a posicionam no passado da revelação da Graça.
O que segue é a incomparabilidade de ambas as revelações: A Lei era externa, a Palavra é interna. A Lei era o ministério da morte, a Palavra é o ministério da Vida. A Lei falava de condenação, a Palavra fala de justificação. A Lei se desvanecia, a Palavra brilha de Gloria em Gloria.
E é neste ponto que Paulo assume a maior ousadia quando compara a caducidade, o esclerosamento da Lei frente a eterna vida produzida pelo ministério do Espírito.
Mas sua ousadia não pára aí. Ele chama, fundado na certeza da Graça, até mesmo Moisés para um frente a frente, pois, diz:
“E não somos como Moisés que punha véu sobre a face, para que os filhos de Israel não atentassem na terminação do se desvanecia”.
Assim, ele diz que na Graça ele se sente com ousadia para tirar até mesmo a mascara de Moisés. O véu de Moisés, para Paulo, não escondia a Gloria, mas seu desvanecimento, sua morte, sua incapacidade de reacender a face, mediante a Lei, com a Luz da Graça.
O problema, para o apostolo, é que aquele véu se tornara um elemento de natureza espiritual. O véu se transformara numa camada de presunção que cegava os sentidos para as demais percepções da vida!
Ora, como a Lei estava dada, e sua constituição era fixa—desde o elemento no qual fora inscrita: pedra—, até mesmo as suas observâncias externas tornavam-se, também, fixas. Portanto, dela não se poderia esperar que nascesse vida, pois, esta acontece apenas onde há o humos da liberdade.
Assim, diz Paulo, há um véu espiritual sobre os sentidos embotados de todos os legalistas, sejam eles judeus ou não!
A Lei embota os sentidos!
A Lei tira a sensibilidade para a Palavra!
Somente a “conversão” ao Senhor—e aqui Paulo não fala de se tornar “cristão” ou “membro de igreja” ou “crentes na Bíblia”, conforme hoje entendemos a idéia de “conversão”, mas de se render à Graça em Cristo—, é o que pode des-anuviar os sentidos cegados pela presunção gerada pelo sentimento de superioridade oriundo da observância externa da Lei, bem como, pelo pre-conceito que dela se origina, criando uma barreira invisível para a percepção da Palavra no coração.
“Até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles”—é o que diz Paulo!
O que Paulo nunca imaginou é que dois mil anos depois nós ainda constatássemos a mesma cegueira, e muito menos ainda poderia ele imaginar que tivéssemos que repetir a sua frase relacionada aos judeus legalistas, agora, reatualizada e aplicada aos “cristãos”.
“Até hoje, quando é lida a Bíblia, o véu está posto sobre o coração deles”—é o que com dor melancólica tem-se que dizer acerca da grande maioria dos cristãos, especialmente de seus “lideres” e “mestres”.
Assim, o que se disse acerca “deles” é o mesmo que hoje temos que admitir acerca de “nós mesmos”, pois, se ainda há Lei, não há revelação da Graça.
Isto porque somente na Graça o véu é retirado. E este tirar o véu é fruto da libertação do medo, e que só acontece em nós como obra do Espírito no coração do ser humano que não tem nenhum tipo de auto-suficiência, porque confiou des-assustadamente na obra consumada de Jesus na Cruz.
Assim, onde está-há o Espírito do Senhor, aí está-há liberdade!
Neste ponto o argumento de Paulo nos remete, na Graça, para uma postura diametralmente oposta àquela gerada pela Lei!
A Lei cobre o rosto, esconde o ser, camufla a culpa, veste-se de exterioridades compartimentais, se jactancia de seu conhecimento e teme mostrar a cara a Deus e ao próximo, daí, pela Lei, o ser não revelar jamais seu interior, pois, em o fazendo, mostrar seu estado de desvanecencia!
Na Graça, todavia, a salvação é o posto. Se a Lei cobre a face e esconde o ser, o Espírito, e a confiança na suficiência de Cristo, nos põe no extremo oposto dessa atitude:
“E todos nós com o rosto desvendado, contemplando como por espelho a gloria do Senhor, somos transformados de gloria em gloria, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”—é o argumento antitético de Paulo.
E mais: não é algo apenas que ocorre na perspectiva individual, mas também, comunitária. Afinal, Paulo diz: “E todos nós...”
A minha tentação agora é prosseguir em II Coríntios. Todavia, julgo ser mais sábio—a fim de ser também sintético—, parar por aqui a fim de verificarmos as implicações dessa verdade em relação à nossa temática.
Primeiramente quero chamar a sua atenção para um fato. A maioria dos comentaristas bíblicos fica tão aferrado ao sentido “histórico” da Escritura em questão que não se dedica à percepção do que está dito para nós hoje.
Em segundo lugar, fica também claro que como nós somos seres ocidentais— de origem não judaica apesar de que, quase todos nós, sermos pessoas de origem culturalmente judaico-cristã—, na maioria das vezes, nos permitamos ler a passagem apenas como critica aos judeus legalistas ou aos cristãos judaizantes; esquecendo-nos que a Escritura em questão não é “pedra”, é Palavra do Deus Vivente, e é re-atualizada em cada novo contexto da história. Portanto, é algo para nós, hoje!
A terceira observação é que as implicações do que Paulo diz aqui, transcendem, em muito, ao contexto histórico imediato, e recaem sobre todos os conteúdos da Teologia Moral de Causa e Efeito—sejam eles judaicos, espíritas kardecistas, afro-ameríndios, católicos, evangélicos, animistas ou hindus!

Aí está o nosso problema: nós lemos a Palavra emblematicamente, o que nos faz pensar que ela foi dirigida a “outros”, não à nós!

Assim, onde se diz judeu não se pensa em nada que não seja “judaico”. É o que está “escrito” trabalhando contra o que foi “dito”!
A questão é que na maioria das vezes, onde se lê, negativamente, “judeu” ou “fariseu”, dever-se-ia ler “legalista”, “moralista”, “auto-suficiente”, ou mesmo, um praticante de qualquer Teologia Moral de Causa e Efeito e seus pretensos elementos de auto-justificação, fundados na presunção humana de agradar a Deus por seus próprios méritos!
Ora, isto posto, o texto em questão tem naqueles que Paulo chama de “todos nós com o rosto desvendado” um grupo que na história do Cristianismo é uma minoria insignificante!
A maior parte de nós é membro da “igreja em Corinto” e somos traidores do apostolo Paulo, pois nos entregamos aos “falsos apóstolos” e a seu “evangelho adulterado”, mesmo que embrulhado com papel de presente estampados com símbolos “cristãos”.
Quem, honestamente, pode dizer que a História do Véu não é também a História do Cristianismo?
Quem, sinceramente, não percebe que nós somos hoje, na maior parte dos casos, a repetição dos mesmos conteúdos humanos e espirituais contra os quais Jesus, os profetas, Paulo, os apóstolos e a Palavra se insurgem nas Escrituras?
Ninguém se engane!
Nós, cristãos, somos também parte do Povo do Véu! E nossos sentidos estão igualmente embotados para a percepção do Evangelho!
Como eu já disse antes, a aceitação do Jesus Histórico nada tem a ver com o acolhimento dos conteúdos de Sua Palavra!
Ou seja:
É possível conhecer a Jesus segundo a carne e não segundo o Espírito!
É a pressuposição da vigência da Lei o que nos impede de discernir o espírito da Palavra e a palavra do Espírito, com liberdade para mostrar a cara, crendo que somente pela expressão des-amedrontada do ser que confiou na Graça, é que vem a conversão incessante, de gloria em gloria, tendo a Jesus como a referência-infusa-cotidiano-existêncial, para a mudança.
Hoje as pessoas se convertem à “igreja”, não à Cristo!
É por esta razão que os conteúdos do Evangelho da Graça estão tão adulterados entre nós. E pior: não enxergamos nada disso, pois, à semelhança deles—os judeus, os fariseus, os cristãos judaizantes—, nossos sentidos também estão “embotados”.
A Graça é hoje a mais escandalosa de todas as mensagens cristãs!
E é por esta razão que não se pode nem mesmo usar mais as “nomenclaturas” do Cristianismo a fim de definir o conteúdo das palavras do Evangelho, pois, quase todos os termos se revestiram de outras conotações e de outros conteúdos.
A terminologia já não serve mais, pois, seus conteúdos foram adulterados por um “outro evangelho”, que usa os termos de sempre, mas nega, na prática, seus conteúdos inegociáveis e eternos!
Por exemplo, para Paulo, “lutar juntos pela fé evangélica” significava não fazer concessões que adulterassem os conteúdos do Evangelho da Graça de Deus!
Hoje, todavia, isto significa nos unirmos contra os que não nos aceitam como os “representantes” de Cristo na Terra!
Ora, neste sentido—com as conotações que a palavra “evangélico” carrega entre nós—, Paulo já não a usaria, pois, nossa prática relacional nega aquilo que ele entendia como evangelho; e nossos conteúdos, falsificam ainda mais o significado original da mensagem à qual ele fazia referência.
Pior do que isto, entretanto, é saber que Paulo, por exemplo, não nos reconheceria como cristãos, mas como pagãos não convertidos ao Evangelho da Graça de Deus!
Por muito menos ele escreveu aos Galatas e aos Coríntios temendo haver corrido em vão!
Mas e se ele estivesse presente num ano eleitoral no Brasil? se visse e soubesse de todas as negociações de almas-votos que são feitas em Nome de Jesus? se visse “cristãos” curvados aos ídolos visíveis e invisíveis, cultuando imagens—que vão das de barro e gesso à imagem como reputação ou, marketeiramente, apenas como “imagem”? e se assistisse pela televisão a venda de todos os significados cristãos na forma de crença em objetos de energia espiritual pagã? e se visitasse uma “igreja” e assistisse filas de pessoas para andarem sobre sal grosso, ou para mergulharem em águas tonificadas do Jordão e a passarem pela Cruz de Jesus—que nesse caso é iluminada com neon e não passa de um tapume religioso extremamente brega—a fim de ganharem um carro zero, como pagamento pela sua crença? e se ele soubesse agora que a fé é um sacrifício que se expressa como dízimos, como troca de bênçãos por dinheiro, de cura pelo sacrifício de longas novenas e correntes, que só não são “quebradas” se a pessoa não deixar de largar sempre algum dinheiro no altar-bolso dos pastores?
O que enojaria a Paulo, todavia, seria ver pastores oferecendo o “sangue do Cordeiro” ––e que no caso é um suco de uva—e, segundo o anuncio, a pessoa deve ir ao templo e levar para casa o “sangue do Cordeiro” a fim de ungir a casa de trás para frente e da frente para trás. Desse modo estão voltando para muito menos que as materialidades da imolação do sangue de um cordeiro—ordenada por Deus no Êxodo — indo para um poderoso suco de uva. E o suco de uva, que é menos que o sangue de um cordeiro na simbolização do Êxodo—período usado pela seita para amparar biblicamente a sua campanha de dinheiro—, é apresentado como “o Sangue do Cordeiro”, que não é mais o que Jesus fez na Cruz e é apropriado somente pela fé na Palavra, mas passou a ser um fetiche, uma pedra de toque, uma imantação animista da uva, uma regressão ao paganismo mais primitivo, uma mágica de bruxos, uma blasfêmia, um estelionato satânico de uma verdade com a qual não se brinca impunemente: “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue, tem a vida eterna...As palavras que vos tenho dito são espírito e são vida”—conforme o Cordeiro.
Desse modo, Paulo veria aturdido o regresso da fé evangélica aos tempos dos cultos feitos à Baal, para as imagens de escultura, para um tempo onde nem sombra ainda havia das sombras das coisas que haviam de vir.—coisas essas, que até mesmo perderam a simbolização em razão de Jesus haver sido o cumprimento de todas elas! A epistola aos Hebreus foi escrita por muitíssimo menos!
Fazer o que estão fazendo da santidade do sangue do Cordeiro, tornando-o num amuleto de infusão animista e de interesse cambista, e que se materializa num suco de uva que carrega em si o poder de benzer uma casa e protege-la de todo mal, é insuportável, enojante, blasfemo e é Anátema!
Paulo vomitaria!
E Jesus?
O escritor de Hebreus diria que estão brincando com fogo ardente e consumidor e crucificando o Filho de Deus não apenas uma segunda vez, mas todos os dias—fazendo Dele um produto de barganha, mágica e fetichismo, e que leva as pessoas não à Jesus, mas sim à “sessão”, pois, também segundo os mesmos “pastores”, Deus só fala no lugar onde eles, os pastores, estão com a sacola na mão!
E eles precisam que Deus se confine em seus templos, se imante nos seus sucos de uva—e outros produtos mágicos—e se deixe comprar pelo dinheiro depositado como sacrifício aos pés desses lobos que oferecem a Jesus como “poder” que se leva para casa em “pacote”; Cristo como “produto simbólico” que pode ser o Pai das luzes, não conforme Tiago, mas conforme Alam Kardec; o Sangue do Cordeiro como suco de uva bom para “proteger a casa”; sim! assim fazendo do que foi feito por Jesus, de Graça, de uma vez e para sempre, algo a ser vendido pelos camelôs do engano e do estelionato!
Meu Deus, e se... Paulo visse...!?
Sim, e se Paulo nos visitasse? que epístola nos escreveria? Será que a escreveria? Será que não nos trataria como o fez com as “sinagogas” durante a sua vida?
Ou seja: sendo acolhido e sendo-lhe dada a palavra, ficava até ser expulso, para depois disso abrir uma nova porta à Palavra, mesmo que fosse na casa vizinha, como foi no caso de Corinto!?
Ora, ser evangélico, antes–digo: para Paulo—significava ter compromisso de fé e vida com o Evangelho de Jesus. Hoje, ser “evangélico” é pertencer a uma “igreja”, uma instituição religiosa que roubou o direito autoral do termo, falsificou-o e se utiliza dele praticando um terrível “estelionato” simbólico.
Assim, ser evangélico já não tem nada a ver com ser Povo das Boas Novas de Jesus, mas ser membro de uma instituição religiosa que se utiliza das terminologias, enquanto, na maior parte das vezes, nega os conteúdos originais da expressão.
E se continuarmos assim, dentro de pouco tempo, quem for genuinamente evangélico—ou seja: alguém que crê conforme a Boa Nova da Graça em Cristo revelada nos evangelhos—, terá que deixar de se auto-definir desse modo sob pena de que as pessoas pensem que o Evangelho tem alguma coisa a ver com os “evangélicos”.
Nos dias de hoje, quase sempre, ser “um evangélico” já não tem nada a ver com ser evangélico conforme o apostolo Paulo.
Hoje, quando um evangélico “evangeliza”, em geral, ele o faz a fim de que a “igreja” cresça como poder histórico visível. Ou seja: “evangelização” significa crescimento numérico sob o pretexto de que se quer salvar as almas do inferno. Pelo menos é isto que se diz e é isto que as “ovelhas” pensam, pura e ingenuamente.
De fato, se se conversar ou se se tiver alguma intimidade com o meio pastoral, ver-se-á que na maioria das vezes corre-se não atrás da vida humana, mas dos recursos humanos que com as multidões também chegam para dentro do negócio religioso.
Portanto, não é de admirar que o marketing seja hoje um dos mais importantes instrumentos usados pela “igreja”. Apenas uma “igreja” precisa de marketing. Isto porque quem de fato é, não tem que se preocupar em parecer ser.
O marketing religioso é o lugar onde nossos ídolos são fabricados e polidos, de tal modo que sua “imagem” possa continuar a inspirar os devotos ou a enganar os que se impressionam com aparências.
O marketing como pro-moção pessoal, é moral, pois, é imagem de escultura, sendo, também, idolatria!
Explosão numérica, na História da Igreja, quase sempre correspondeu a diluição tanto da Palavra, como do caráter do discipulado, bem como implicou em des-significação da alma humana, afinal, uma multidão pode se beneficiar da Palavra, quando há Palavra, mas não pode experimentar reconstruções de individuação, pois, nas massas, ninguém cresce como indivíduo na comunhão fraterna, na afirmação individual e nos carinhos de quem conhece e se importa, pois, tais realidades, inexistem em todo processo de massificação.
Além disso, milhares de “acomodações” precisam ser feitas em relação ao conteúdo essencial do evangelho quando se utiliza do marketing religioso ou das associações políticas, culturais e econômicas que daí advêm— ou seja: da rendição ao significado-des-significado do capital das massas, que são reduzidas apenas ao testemunho de poder majoritário que elas trazem aos lideres, enquanto as almas dos indivíduos viram apenas números.
Quando Paulo evangelizava isto significava levar às pessoas a consciência da Graça salvadora de Jesus e da possibilidade da experiência da liberdade-salvadora, tanto na perspectiva individual, como também na comunitária. O resultado, portanto, não é o surgimento de um número a mais para as estatísticas celestiais, mas uma nova criatura, que já começa a se humanizar na Terra, nos vínculos e nas mutações dinâmicas e permanentes que o Espírito da Graça, em Cristo, faz nascer no Novo Homem!
Desse modo, como já disse antes, se Paulo estivesse vivo hoje, provavelmente, ele nos diria que nós ainda não somos convertidos, pois, voltamos atrás, e aderimos aos conteúdos que negam a Cruz de Cristo!
Isto nos coloca, no mínimo, diante de três reflexões. A primeira é que a atual “consciência cristã”, é, na maior parte das vezes, anti-cristã, e uma clara e escrachada negação dos conteúdos do Evangelho de Jesus!
A segunda, é a impossibilidade hermenêutica de que a Leitura da Escritura feita com “véu na face” possa nos conduzir à revelação da Palavra da Graça!
Portanto, não importa o “método” ou a “escola hermenêutica” em questão. Na Graça até o pior de todos os “métodos” trás mais revelação da Palavra que o melhor método hermenêutico usado com as viseiras da Lei, da Moral, dos Legalismos, dos Carismatismos narcisistas (que faz do totem carismático a forma referencial de ser para os demais), e seus derivados!
Todos são apenas o sub-produto da formula conceitual da Teologia Moral de Causa e Efeito!
?
É triste ver pessoas cristãs, inteligentes, cultas, preparadas, letradas, instruídas, e com capacidade de “ler”, não conseguirem levar as implicações do que entendem, mesmo do ponto de vista da compreensão cognitiva, até as últimas conseqüências de sua própria percepção!
E por quê? Porque ainda estão presas às sistematizações da Lei às quais o Cristianismo subjugou a Palavra que pode nos libertar! Mas não sendo a Palavra, não liberta. E se não liberta, escraviza e gera medo!
Enquanto não se abandona o véu e se põe a cara para fora, olhando na Graça para a Graça, não se vive a dinâmica da conversão que muda não apenas as exterioridades do comportamento, mas as essências do ser e isto de modo constante e permanente.
Afinal, são dinâmicas diametralmente opostas entre si: uma cobre a face, a outra a põe para fora!
Ora, isto no remete para a terceira constatação. A Teologia Moral de Causa e Efeito—que é a mãe da Síndrome do Véu—é a patrocinadora de nossas piores doenças!
O medo que esconde o ser transforma o interior humano num viveiro de enfermidades psicopatológicas. Literalmente, o ser se desvanece. Assim é que a História do Cristianismo é eivada de enfermidades numa demonstração tão escandalosa que nega a fé em Jesus.
Ou seja: se o Evangelho de Cristo gera algo como o Cristianismo e seus derivados históricos—incluindo-se, obviamente, os “evangélicos”—então, ele não é a Verdade!
Assim, os cristãos, até neste particular, foram objeto de seu próprio veneno e juízo sobre os demais homens. Pregaram não a Graça, mas a teologia de causa e efeito e seus veredictos.
Hoje—e não é de hoje—os mesmos critérios se voltaram contra nós. Ao nos oferecermos ao mundo como o efeito visível de nossa relação causal com Deus, e, após isto, com a maior cara-de-pau, nos exibirmos como a demonstração comportamental do efeito, sem o percebermos, demos e continuamos a dar um passo a mais em nosso auto-enagano: jactamo-nos de nosso comportamento e, sem o discernirmos, tornamo-nos aos olhos do mundo a Causa de nossa própria salvação. E como nosso “showcase” de comportamento nega a mensagem de Jesus, e, pior ainda, como nossa saúde humana e histórica não visibiliza nem mesmo aquilo do que nos jactamos—nossa superioridade Moral e humana sobre os demais homens—, caímos em nossa própria armadilha e desviamos o olhar humano do único ponto de referência para todos—para o indivíduo, a igreja e o mundo—, que é Cristo.
Esta é a razão pela qual o Cristianismo, no mundo ocidental, tornou-se o principal patrocinador da des-percepção do Evangelho e o agente mais corruptor de todos os conteúdos da Verdade de Deus em Sua Palavra.
O Cristianismo histórico se tornou o pior promoter de qualquer Palavra do Evangelho, pois, para nós, o Evangelho é apenas uma versão cristã da Lei, e de uma Lei brega, feia, estereotipada, infantil, presunçosa e des-cumprida pelos seus patrocinadores.
Assim, a doutrina do Purgatório é verdade para todos os cristãos—incluindo os protestantes e evangélicos!
E por quê? Ora, dizemo-nos “salvos” pela Graça, na chegada. Daí em diante, somos “santificados” pela Lei. Então, ficamos num limbo, num purgatório existencial sobre a Terra, pois, nem nos tornamos filhos da Graça a vida toda e nem nos entregamos aos rigores da Lei com honestidade. Desse modo, não usufruímos nem a saúde e nem a paz que vem da Graça e, nem tampouco, conseguimos viver pela Lei. Ou seja: vivemos em permanente estado de transgressão e culpa.
E quanto mais existimos nesse “purgatório”, mais orgulhosos, raivosos, arrogantes e mal-humorados nos tornamos. Afinal, nós sabemos que nós não passamos de um grande “estelionato” histórico, pois, no coração, nós temos consciência de que não somos nem uma coisa nem outra: nem Gente da Graça e nem tampouco o Povo da Lei.
Então, nos tornamos os doentes que vendem cura!
Somos como o homem que sofreu um derrame generalizado—perdendo seus movimentos e poder de agir—e, ainda assim, se oferece ao mundo para dar aula de levantamento de peso, estética corpórea, e garante que é capaz de correr as Olimpíades, não sendo capaz de nem mesmo enxugar a própria baba que cai de seus lábios arrogantemente murchos, e, muito menos ainda, é capaz de cuidar do próximo que vive ao seu lado no mesmo estado.
O Cristianismo não se enxerga. E os cristãos, raramente, o conseguem fazer!
Meu trabalho há muitos anos é tentar separar, ante a percepção histórica das pessoas, o que é o Evangelho daquilo no que o Cristianismo se tornou. Assim, vou vendo muitos voltarem a Cristo, ainda que, em muitos casos, jamais consigam botar os pés numa “igreja”. E, agindo assim, penso estar, de fato, também evangelizando, anunciando a Boa Nova aos Gentios como eu mesmo; ou seja: dizendo-lhes que estamos livres do Cristianismo a fim de podermos servir a Deus em novidade de vida e não segundo a caducidade da letra e nem tampouco de acordo com a perversão cristã do evangelho.
Assim faço por julgar que essa é a única maneira de ajudar aqueles que encontraram a Jesus, mas que jamais conseguiram encontrar na Terra a Sua Igreja porque esta não está perceptível aos nossos sentidos históricos, institucionalmente falando!
O Cristianismo não carrega nem os conteúdos do Evangelho e nem se parece com Jesus!
E como creio que o Evangelho de Cristo é a Verdade que liberta, só posso—juntamente com milhões de outros seres humanos—, pensar que o que experimentamos, na maior parte do tempo, até aqui, é uma “falsificação do evangelho”, especialmente porque os conteúdos do Evangelho de Cristo foram institucionalizados como doutrinas ( a letra mata) e formas (odres envelhecem) que negam a Graça, a Misericórdia e a Liberdade em fé, que Jesus conquistou na Cruz.
Jesus não veio ao mundo para criar um Circo, em alguns casos; uma Penitenciária, conforme outros casos; um Estado Soberano, conforme o Vaticano Católico e os “vaticaninhos” dos outros grupos e seitas cristãs; e, nem tampouco, um Hospício, como acontece na maioria dos casos!
Além disto, Ele não veio ao mundo para que Sua mensagem se transformasse numa ideologia moral ou política; e, nem ainda, para que ela, a mensagem, gerasse uma espécie de Admirável Mundo Novo, onde, pelo controle, todos se tornassem clones de comportamentos que matam as produções individuais e saudáveis das dinâmicas do ser.
Até mesmo a Reforma Protestante não percebeu o tamanho nem a profundidade do engano ao qual nós, cristãos, nos havíamos rendido, inconscientemente, é claro!
As 95 tese de Lutero puseram a Escritura, Cristo, a Graça e a Fé num pacote “sistematizado”, como se fossem coisas diferentes uma da outra.
O que nem Lutero e nem Calvino—o mais culto deles, embora Lutero pareça ter sido mais humano em suas expressões francas sobre sua condição humana— perceberam em plenitude, é que havia não apenas uma “Reforma Doutrinária” a ser feita, mas, muito antes disso, uma “Desconstrução do Pressuposto Conceitual” a ser realizada!
E por quê? Porque o problema não era, sobretudo, “doutrinário”. Os erros doutrinários da Igreja Católica não eram “tópicos isolados”. Eles eram todos o sub-produto da mesma e única coisa: a Teologia Moral de Causa e Efeito, que estava presente em tudo e que continuou, mesmo que sob outras insígnias, a determinar também os valores do Protestantismo.
Crendo assim, Lutero não precisaria de 95 teses. Bastava uma. E essa é aquela “única” tese de Paulo em todas as suas epístolas: a Graça de Cristo é o fim de toda Lei e o começo-realizado de toda Vida, para a paz e a justiça de todo aquele que crê!
As demais “teses” não passavam de aplicativos históricos e circunstanciais, mas o Protestantismo as transformou, posteriormente, em letras e formas fixas, perdendo assim, outra vez, as mobilidades e liberdades histórico-aplicativas da missão de fazer nascer uma reforma que sempre se auto-reformasse, conforme os tempos e as épocas, e de acordo com a Imutabilidade dos Princípios da Palavra. A tese, portanto, é uma só. Os aplicativos e suas des-construções e re-construções é que precisam ser permanentemente re-atualizados!
E mais: é somente quando se tem a coragem de se fazer essa ruptura radical é que o véu sai da face e nós ganhamos, movidos pelas certezas da fé na Graça, a coragem de botar o rosto para fora, saindo de nossos medos, sombras, fobias e auto-justificações neuróticas!
Neste sentido, perdoem-me os irmãos que beatificaram São Lutero e São Calvino—que, sem dúvida, são “santos protestantes” com as mesmas características de infalibilidade interpretativa da Escritura de um Papa Católico—, acerca dos quais eu digo, sendo muito menos atrevido do que Paulo— quando do ponto de vista judaico de seus dias, disse “E não somos como Moisés...”—, que aqueles dois baluartes da fé, Lutero e Calvino, ainda ficaram aquém do que é radicalmente proposto, pois, por razões que somente a Deus pertencem.

http://www.caiofabio.com/novo/caiofabio/pagina_conteudo.asp?CodigoPagina=0023300006

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Geração Profética



Um profeta é alguém que denuncia o afastamento de um povo do seu Deus. Muito mais que um prognosticador, que é a idéia predominante associada ao termo, e, certamente, muito mais que um agoureiro, que é a idéia associada ao termo pelos modernos adeptos do movimento profético, que consideram que ser profeta é proclamar uma benção ou uma frase mágica que fará com que as coisas venham à existência “ex nihilo”. Ser profeta é ter um relacionamento pessoal com Deus, e abrir a sua boca contra aqueles que se afastam de Deus e insistem em atrair para longe da verdade o povo de Deus.
Tenho visto alguns profetas verdadeiros surgirem no cenário conturbado do evangelho tupiniquim. Obviamente, assim como acontecia com os profetas que, na antiguidade se levantavam contra os sacerdotes e o regime religioso depravado de Israel, estes profetas modernos têm sido veementemente atacados pelo sistema religioso vigorante, são acusados de blasfemos, de insurgentes, são nomeados como aqueles que provocam dissensões no seio da igreja, como aqueles que só sabem criticar, etc. Exatamente assim eram tratados os profetas do Antigo Testamento, e exatamente assim eram tratados Jesus e seus discípulos no Novo Testamento.
A verdade é que aqueles que zelam pela Palavra e lutam contra os interesses comerciais de certos grupos e contra o esforço mercenários de certos “pastores”, sempre se levantam em tempos de apostasia, não há como calar aqueles que falam, e no caso destes tempos pós-modernos, aqueles que escrevem, com o senso crítico afiado contra os que se apoderaram do “Reino de Deus” e nele não entram, nem deixam que os que estão entrando, efetivamente entrem. E invariavelmente estes bravos servos da verdade, são torturados, difamados, e acusados de vários crimes, muitos são queimados, serrados ao meio, enforcados, enfim, mortos de diversas formas. Não têm honra na sua própria terra, e nem em seu próprio tempo.
Acontece que depois de mortos, suas palavras são canonizadas, uma geração nascerá de suas palavras, lançadas muitas vezes ao vento, como sementes em uma terra seca, que frutificarão quando a voz de seus semeadores já tiver sido calada pela opressão. Certamente uma geração adúltera e cruel não é digna destes homens, mas Deus não deixará de honrar aqueles que entregam suas vidas por amor à justiça e à verdade, os filhos da próxima geração, gravarão as palavras dos atuais profetas em livros, sites, e em diversas mídias, canonizando o que hoje soa como heresia, e reverenciando a vida honesta e simples dos que se levantam contra o sistema opressivo e explorador hora em vigor.
Quanto a mim, não julgo ser um destes profetas, estou longe disso, mas sou uma testemunha de sua luta, e um moço de profeta, que começo desde já a tomar nota das palavras santas, pois são originárias do Santo dos Santos, destes modernos profetas do Senhor. Que Deus abençoe a futura geração de filhos de profetas no Brasil.
Jerry.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Santidade



Vejamos o que Jesus estava nos ensinando quando relacionou o tema da santidade à Palavra e aquilo que Deus faz a nosso favor.

1. O tema da Santidade conforme relacionado à Palavra de Deus (João 17:17). Para Jesus, a Palavra de Deus era o que poderia nos santificar. E para Ele não se tratava de uma definição de santificação esotérica e mágica. Ele não tinha em mente nenhum tipo de exposição mágica da alma humana à Palavra ao fim da qual a pessoa estivesse mais santa. Na sua mente não passavam aquelas "percepções" de que a mera exposição à Palavra santificava o ouvinte. Para Jesus, ser santificado tinha, na verdade, uma profunda e indissolúvel relação com a assimilação dos conceitos da verdade de Deus, mediante um aprendizado não apenas teórico e teológico da letra da Palavra, mas mediante a vivência da presença de Deus na história em conformidade com o padrão da Palavra de Deus feita verdade no coração.

Tal percepção da relação da Palavra com a vida deve nos comprometer com a confissão de que Deus é santo e com a vivência da santidade. Além disso, ela nos induz também a perguntar por dois conceitos básicos encontrados na prática de Jesus. O primeiro tem a ver com o conceito de Palavra de Deus no entendimento de Jesus. E o segundo é aquele relacionado a como Jesus, à luz de Sua interpretação da Palavra, entendia o tema da santidade.

Comecemos com o que a Palavra significava para Jesus e o que Ele chamava de Palavra de Deus. Inicialmente devemos dizer que Jesus olhava para a totalidade do Velho Testamento como Palavra de Deus (Jo. 5:39). Para Ele a questão nunca esteve entre o que era ou não Palavra de Deus no Velho Testamento, mas, apenas, em como entender, interpretar e aplicar essa Palavra ao contexto da vida humana. Ora, neste sentido Mateus 22:23-46 é o melhor exemplo disso. Nos três episódios narrados naquele texto, a grande questão não é o que é Palavra de Deus, mas como entendê-la e aplicá-la (Mt. 23:2,3). É por esta razão que nós não vemos na prática de Jesus querelas teológicas, na perspectiva seletiva a respeito do que deveria ser retirado do Velho Testamento para ser abandonado ou reforçado na prática dos seus discípulos (Lc. 24:45). Pelo contrário, para Ele, o Velho Testamento dava uma base e finalidade histórica (Lc. 4:16-19). Sua missão tinha suas raízes mais profundas nos sonhos dos profetas (Lc. 24.27). Seus sofrimentos e glórias já tinham sido vistos e saudados desde o início da caminhada histórica do povo de Israel (Lc. 22.36,37). Ele próprio tinha sido alegria existencial e a inspiração dos patriarcas e profetas (Jo. 8.56). Sua mensagem não era nova, mas o aprofundamento da revelação já existente (Mt. 22:34¬40; Lc. 10.25-28). Sua expectativa de aceitação e rejeição do seu ministério se baseava naquilo que a Palavra lhe autorizava a esperar (Mt. 13.14,15). A própria maneira sombria pela qual ele anuncia sua morte se fundamenta numa interpretação teológico-ideológico da freqüente e histórica atitude do povo de Israel, conforme descrita nas Escrituras (Lc 13.31-35). Para Ele, o Gênesis de 6 a 11 era digno de confiança histórica (Mt. 24.38-39). Além disso, o modo pelo qual ele interpretava a saúde relacional do homem e da mulher se fundamentava na originalidade do plano da criação conforme revelado no Gênesis (Mt. 19.4-6). A conexão entre pecado e queda, bem como entre ideal e realidade era para ele extraída da Escritura (Mt. 19:7-9).

Até mesmo textos do V.T. de ares místicos foram encarados por ele como absolutamente simples e reveladores do modo pelo qual Deus age na história (Mt. 16.1-4). Assim, tudo que Jesus fazia tinha seu fundamento no Velho Testamento. Seu território ministerial (Mt. 4.12-17), o exercício das curas (Mt. 8.16-17), a pregação (Lc. 4.16-19), o ensino (Mt. 6-7) e a atitude de discrição e singela misericórdia (Mt. 12.15-21) estavam fundamentados no Velho Testamento. Seu sermão do Monte era, em síntese, a pregação do sonho dos profetas. De fato, o Sermão do Monte é a condensação das utopias dos profetas. Aquilo que eles não tinham conseguido chamar de História, Jesus chamou Vida.

Concluindo, nós poderíamos dizer que, literalmente, toda a Escritura tem em Jesus sua afirmação: o Pentateuco (Mt. 22.23-29), os livros históricos (Mt. 12.1-7), os poéticos (SI. 118.26;22.8), as sabedorias (Mt. 12.42) e os profetas (Mt. 26.31). O próprio fato de as genealogias de Jesus estarem incluídas nos evangelhos com todas as ambigüidades “morais” às quais elas estavam sujeitas, pois Jesus descende de gentios (Mt. 1.3,5), adúlteros (Mt. 1.3-6), prostituta (Mt. 1.6), homicidas (Mt. 1.10) e ancestrais cheios de sincretismos (Mt. 1.7-10), nos mostra que, propositalmente, Ele quer estar ligado à História do Velho Testamento (Jo. 5.39).

Isto posto, devemos agora relacionar a Palavra com o fato de Jesus ter dito que deveríamos ser santificados por ela. Ora, nesse caso nossa visão do escopo e da profundidade da santificação muda radicalmente. Ser santo é buscar ser essencialmente humano, ser parte da história porém vivendo a presença de Deus no mundo (Lc. 7.39). Ser santo tem relação com a busca de uma sociedade sem desigualdades e onde os mais fracos jamais sejam despojados (Mt. 23.14). Ser santo é viver a alegria do conhecimento de Deus com oração e fé e é sofrer as angústias da história como resultado de nossos vínculos com um padrão que o mundo não conhece (Mt. 11.25-27; 5.11-12). Ser santo é ser separado, não dos pagãos; como Israel equivocadamente tentou, mas é viver a diferença radical dos valores do Reino em meio às sociedades pagãs (Mt. 5.43-48). Ser santo é ter na paixão dos profetas a motivação existencial para o nosso enfrentamento histórico do mal (Lc. 13.33). Ser santo é, mesmo em dia de sábado, trabalhar a favor da santidade de vida (Lc. 14. 1-6). Ser santo é colocar o valor da vida acima do valor das coisas, mesmo aquelas mais "sagradas" (Mt. 23.23). Ser santo é entender que o altar diante do qual Deus nos quer ver prostrados não é apenas o altar do templo, mas também os altares ensangüentados dos corpos dos nossos irmãos de história e que estão caídos nas esquinas da vida (Lc. 10.25-37). Ser santo é viver a misericórdia no agitado ambiente secular, ao invés de viver a quietude alienada do ambiente religioso que não tem janelas para a história da dor humana (Mt. 9.9-13). Ser santo é acreditar que a santidade não se polui quando toca com amor, aquilo que é sujo (Mt. 8.1-4; Mc. 7.1-23). Ser santo é não temer ser mal interpretado pela mente daqueles que estão sujos de pretensa santidade.(Mc.7.5;Lc.7.39).


Para Jesus, ser santo é ser verdadeiro para com a nossa condição humana: é ter a coragem de chorar em público (Jo. 11.35), de admitir perdas e saudade (Jo. 11.36), de gritar de dor (Mt. 27.50), de confessar depressão (Mt. 26.38), de pedir ajuda emocional (Mc. 27.50), de se confessar cansado (Jo. 4.6), de dizer tenho sede (Jo. 19.28), de confessar dificuldades familiares (Mc. 3.21;Jo. 7.1-9), de admitir que a privacidade é um direito e uma necessidade de sobrevivência (Mc. 6.30-32,45,46). Ser santo é admitir que o amor pode ser exercido na perspectiva da disciplina física (Mc. 11.15-19) e que o "desabafo" é um sadio escape quando se está farto de estupidez (Lc. 11.31-32). Ser santo é continuar sendo de Deus mesmo em meio ao mais profundo e inexplicável silêncio divino (Mt. 27.46).

Desse modo, não santificamos a Deus quando falamos o seu nome enquanto furtamo-nos à verdade e praticamos todas aquelas coisas que a Palavra de Deus decreta como abominações, ainda que disfarçados pela nossa pseudo-moralidade. Também não santificamos a Deus com a nossa teologia reducionista e domesticadora da divindade, que pretende reduzi-lo a dogmas, ritos, liturgias e espaços. Também não santificamos a Deus com a nossa noção de sermos secretários da divindade, achando que sabemos tudo sobre Ele, achando que discernimos toda a Sua vontade, como se tivéssemos todas as manhãs uma entrevista marcada com Ele, na qual nos mostrasse detalhadamente todos os caminhos da vida. Blasfema contra Deus quem não pode dizer como Paulo em Romanos 11:33-36, que ninguém jamais conheceu ou penetrou na totalidade dos seus caminhos. Blasfema contra Deus quem não se abriu para o ministério de Deus. Não santificamos a Deus quando todo o nosso interesse em relação a Ele é sermos "ajudados". Ofendemos a Deus não somente pela negação do Seu poder, mas também pela súplica egocêntrica. Não se santifica a Deus quando se estabelece um lugar para ele morar, caindo nas teologias pagãs do "lugar santo". Ora, lugares só são santos quando santificados pela presença de homens santos que cultuam ao Deus Santo. Não se santifica o nome de Deus quando se viola a sua imagem e semelhança nos seres humanos que nos cercam. Não se santifica a Deus onde os pequenos são apenas suportados e os grandes são preferidos. Não se santifica a Deus nas nossas ruas cheias de meninos nus e crus, que perambulam como cães virando latas de lixo. Não se santifica a Deus quando a Igreja se toma um "bastião" do poder religioso, capaz de favorecer influências políticas mundanas e iníquas. Não se santifica a Deus quando nossa esposa não é santificada pelo nosso convívio e os nossos filhos e amigos não provam o benfazejo resultado da nossa ligação com Deus.

2. A obra redentora de Jesus conforme relacionada ao tema da santidade: "E a favor deles eu me santifico a mim mesmo..." (v.19) A segunda idéia à qual o tema do Pai Santo e da santidade está relacionada em João 17 é a obra salvífica de Jesus. Isso porque a santificação que o Pai santo pede dos Seus filhos só pode ser vivida em Cristo. É por isso que Jesus, conquanto nos desafie concretamente à vivência da santidade, nos faz provisão espiritual para que tal santificação seja uma possibilidade. Sem tal provisão espiritual a vida cristã é simplesmente impossível. Talvez essa seja justamente a nossa principal falha histórica: tentar viver por nossa própria conta e meios a santidade para a qual somos chamados. Talvez o mais terrível exemplo disso na atualidade esteja exatamente demonstrado na queda dramática e escandalosa de pregadores cujos projetos teológicos e pessoais pregam comportamentos de santidade antropocêntrica. Ora, a única diferença entre legalismo e santidade é que o primeiro é esforço humano e o segundo é obra do Espírito.

Por que estou dizendo isso? Simplesmente para mostrar o que Jesus dissera quando afirmou que a "favor dos discípulos Ele se santificava a si mesmo", era muito mais do que poesia sacerdotal. De fato, tratava-se da mais fundamental afirmação de segurança espiritual que a Palavra de Deus nos oferece. É sabido por todos nós, que Jesus Cristo é a única provisão de Deus para a salvação humana. E na minha maneira de ver, salvação e santificação andam extremamente ligadas. Para entendermos o tema da santificação, precisamos entender primeiro o tema da salvação e aquilo a que ela está ligada.

Ora, Deus está redimindo hoje o espírito humano de modo forense e judicial, por causa da obra de Jesus na cruz. No entanto, tal salvação também traz consigo o anúncio das boas novas de um processo redentivo, multidimensional, que Deus continua a realizar, atingindo variados segmentos da nossa própria vida. É isto que Paulo diz num texto que tem criado problemas na mente de muitos irmãos: "... desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor, porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar segundo a sua vontade" (Fp. 2.13). O fato de a salvação precisar ser desenvolvida não significa que ela tem de ser conquistada. Nós só desenvolvemos aquilo que temos, e nós temos a salvação, definitivamente, pela fé na Graça de Cristo. Tal salvação, precisa apenas expandir-se, corporificar-se e multidimensionar-se na existência humana. É também por isso que Paulo continua apresentando alguns exemplos básicos de como fazer a salvação “crescer”: "sem murmurações nem contendas". Ora, isto tem a ver com a nossa interioridade curada e com as relações que precisam ser reconciliadas para que, na História, nos tornemos “irrepreensíveis e sinceros filhos de Deus, e inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta”.

A salvação judicial e forense, por meio da fé em Jesus, deve desembocar num processo de humanização, tendo Jesus como protótipo, conforme diz Romanos 8.29 "Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos". A salvação que se recebe pela fé, desse momento em diante, entra na fase de desenvoltura dentro de cada pessoa para quem Jesus é o Salvador, o projeto, o protótipo, a referência e o Mestre. Isto porque o plano de Deus é que esta salvação se multidimensione em cada um de nós, de modo a caminhar na direção de tornar cada pessoa "conforme a imagem de seu Filho, para que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos", os quais são parecidos com Ele.

Assim é que, metafisicamente, aos olhos de Deus, nós somos uma obra acabada. Sua graça nos fez totais aos Seus olhos, de modo que judicial e forensemente estamos justificados. Mas historicamente falando, porém, veja o que Paulo diz em Filipenses 3.12,13: "Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus". No versículo 16 diz ainda: “Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos”. O versículo 15 ele já havia dito: “Todos pois que somos perfeitos, tenhamos este sentimento”. Os dois elementos (salvação-forense-judicial versus salvação-histórico-processual) estão presentes nestas citações.

Veja o que se diz acerca da salvação forense-judicial: "Nós que somos perfeitos" (v.15). Ora, tal afirmação só é possível em Cristo. Fora dele, nenhum de nós, inclusive Paulo, é imperfeito e inacabado.

Veja agora o que se diz sobre a salvação histórico-processual: “não tenho obtido a perfeição...mas prossigo para conquistar...todavia andemos de acordo com o que já alcançamos...” (v.12,13,16).

Assim é que, forense e judicialmente estamos perfeitos em Cristo.

Historicamente, porém, estamos ainda a caminho, de modo que a justificação já realizada e acabada em Cristo não deve estagnar o processo histórico de continuidade de nossa salvação. Com relação a este último aspecto, Paulo utiliza em Filipenses três palavras e expressões processuais do tipo “prossigo”, “avançando”, “andemos”, “não alcancei”, e “tenho um alvo”. São palavras e expressões que nos colocam a caminho e que não permitem que a justificação se engesse no moralista religioso ou se apóie na graça barata.

Ainda em Filipenses 3, Paulo diz que a salvação, enquanto obra a ser desenvolvida, implica num processo histórico, pois tem relação com três tempos: passado, presente e futuro. Ele diz que as “coisas que para trás ficam”, para trás ficam; que as coisas do presente ao presente pertencem (“não que eu tenha alcançado”) e que as coisas do futuro, “diante de mim estão”. Ora, isto é precisamente o que compõe a História: presente, passado e futuro. Portanto, tal salvação-santificação tem que se desenvolver aqui, na História.

Paulo também afirma que este processo histórico pode ser chamado de processo de “cristificação”. Esse processo é dinâmico. Ele diz: “...não obtive, porém prossigo...”. Todos nós podemos alcançar tudo quanto Deus colocou à nossa disposição.

Ora, aqui neste ponto nós voltamos objetivamente ao tema da santificação, e com uma pergunta. Isto porque uma vez que os conceitos básicos relacionados com a salvação estão postos, nós devemos perguntar o que isso tem a ver com a nossa santificação. Não devemos nos esquecer de que em João 17, texto de nosso estudo, o Senhor Jesus disse que Ele mesmo se santificava a nosso favor. Ou seja: há algo da vicariedade de Jesus na nossa santificação também. É bom afirmar isto, pelo simples fato de que há muito legalismo com relação à perspectiva da santificação. Na maioria das vezes, a santificação tem sido entendida como sendo o “lado humano” da salvação. Ou seja: “Cristo nos salvou e cabe a nós tornarmo-nos dignos da salvação através da santificação”. No entanto, não há santificação possível que prescinda também da graça santificadora de Deus. Com isto não estou dizendo que a santificação não implica em compromissos éticos concretos na história. Se assim fosse, eu estaria negando tudo o que escrevi a respeito da necessidade das nossas vidas confirmarem a revelação da Palavra. Como diz Willian Barclay: “o cristianismo, como também o judaísmo, é essencialmente uma religião ética. Por isso se deve dizer que o cristianismo insiste que o ser humano deva viver um certo tipo de vida e ser um certo tipo de pessoa” (William Barclay; "The Mind of ST. Paul”, pág 75).

Do mesmo modo que o Novo Testamento ensina que a salvação é fruto da graça de Deus realizada e consumada em Jesus Cristo, ele nos ensina também que a realidade da santificação se alimenta da mesma fonte de eficácia espiritual: a Graça. A santificação resulta de uma vida que antes de tudo se viu morta em Jesus Cristo para o pecado (Rm. 6.11-14). Na realidade, a questão-chave da santificação se resume na expressão “estar em Cristo”. Estar em Cristo significa TUDO na vida cristã. Literalmente, não há qualquer progresso humano possível, fora desse estar “em Cristo”. Neste sentido, há uma diferença fundamental entre estar “em Cristo” e estar “na igreja”. Obviamente acredito que estar em Cristo significa também estar na IGREJA de Cristo. A questão, no entanto, é que a Igreja de Cristo se misturou com aquilo que nós chamamos de Cristandade. Foi precisamente nesse sentido que Santo Agostinho disse “que a igreja tem muitos aos quais Deus não tem e que Deus tem muitos aos quais a igreja não tem”. Para Santo Agostinho, a “igreja” não era necessariamente a IGREJA. Podia ser apenas uma deformação institucionalizada daquilo que Jesus sonhara.Isso porque, Santo Agostinho quanto nós, acreditamos que quem de fato está em Cristo está na IGREJA, e na comunhão da fé que a verdadeira Igreja promove e para a qual nos convida. No entanto, há aqueles que estão na IGREJA e que não conseguem “entrar nas igrejas”. Esses são cristãos, mas não suportam aquilo que nós chamamos de “cristianismo”.

Descrevendo esse afastamento do cristianismo em relação à IGREJA conforme exposta no Novo Testamento, Jacques Ellul afirma em “Subversion of Christianity” o momento histórico em que essa mudança teve e tem lugar. O momento é exatamente quando sai-se da perspectiva orgânico-qualitativa de igreja para a perspectiva organizacional-institucional (por exemplo, quando a comunidade da fé vira “-ismo”). Nesse caso, é como se uma fonte de água viva fosse transformada em um canal de irrigação mais ou menos regulado e estagnado, até ao ponto em que a água da fonte original torna-se totalmente poluída na medida em que ela vai sendo “mecânica e artificialmente trabalhada” pelo sistema de distribuição.

De fato, o grande segredo da santificação, como já dissemos, é estar em Cristo e tendo sempre a coragem de verificar se estamos mesmo nEle (II Co. 13.5) Este é o princípio essencial à santificação e às demais virtudes da fé cristã. Do ponto de vista do Novo Testamento, “em Cristo” nós temos:

1. Consolação: “Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria...” (Fp. 2.1,2).

2. Ousadia: “Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em Cristo para te ordenar o que convém ” (Fm 8).

3. Liberdade: “E isto por causa dos falsos irmãos que se intrometeram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus, e reduzir-nos a escravidão” (Gl. 2.4).

4. Vitória contra a mentira: “Digo a verdade em Cristo, não minto, testemunhando comigo, no Espírito Santo, a minha própria consciência” (Rm. 9.1).

5. Promessas: “...a saber que os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho” (Ef. 3.6).

6. O AMÉM de Deus à vida: “Porque quantas são as promessas de Deus tantas têm nele o sim; porquanto também por ele é o amém para a glória de Deus, por nosso intermédio” (11 Co. 1.20).

7. Somos santificados: “À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1 Co. 12).

8. Somos sábios: “Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós sábios em Cristo; nós fracos e vós fortes; vós nobres e nós desprezíveis” (Co. 4.10).

9. Somos novas criaturas: “E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura: As coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas" (II Co. 5.17).

10. Somos chamados: "Porque o que foi chamado no Senhor, sendo escravo, é liberto do Senhor; semelhantemente o que foi chamado, sendo livre. é escravo de Cristo” (I Co. 7.22).

11. Temos o mais elevado objetivo: "Prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Fp 3.14).

12. Apesar de tantas vezes sermos imaturos, somos salvos: "Eu. porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais; e, sim, como a carnais. como a crianças em Cristo" (I Co. 3.1).

13. Estamos estabelecidos: "Mas aquele que nos confirma convosco em Cristo, e nos ungiu, é Deus" (11 Co. 1.21).

14. Podemos andar em vitória: "Ora, como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele" (Cl. 2.6).

Tudo isso parece simples demais para as mentes mais sofisticadas e teológicas, as quais, por certo, até "pularam" esta série de 14 afirmações decorrentes de se "estar em Cristo". No entanto, as coisas acima mencionadas são seriíssimas. Senão veja: se elas são assim tão simples, por que há tão poucas evidências dessa santificação em nosso meio? Por que tanto pecado, imoralidade, roubo, mentira, descrença, administração iníqua dos bens da igreja por parte de líderes? Por que tanta traição, falsidade, calúnia, inveja e maldade? E mais: por que isso acontece tão intensamente dentro da igreja quanto acontece fora dela? E mais: por que os grupos cristãos mais legalistas são, tantas vezes, as mais desgraçadas vítimas desse fracasso?

Talvez tudo isso aconteça pela simples razão de que aquilo que o evangelho nos convida a ser tem íntima ligação com a Graça de Deus. E, nesse sentido, aquilo que o evangelho oferece é intolerável e inaceitável. Você julga que há alguma coisa aceitável na graça? Não! As pessoas não gostam da graça justamente porque a graça não lhes dá controle sobre a situação. A graça não depende de mim. Ela extrapola meu domínio. Não há nada de seguro no fato das pessoas condenadas à morte estarem livres dela porque um desconhecido e Estranho Soberano simplesmente as livrou disso, sem lhes dar qualquer razão justificável para tal ato. A graça é totalmente arbitrária: "Eu serei gracioso para quem Eu quiser ser gracioso e misericordioso para quem Eu quiser ser misericordioso..." Nesse caso não há nada que possamos fazer: não há sacrifícios, ritos, orações, atos de bondade, busca de sabedoria, ascetismo moral e religioso, etc. Nada pode ser feito para se ter controle sobre a graça. Não há trocas a serem feitas, e assim nos sentimos extremamente humilhados na nossa incapacidade de "justificar" a relação, pelo menos por um pouco. A graça exclui tudo aquilo que nos garante segurança. Nossos sacrifícios não são aceitos, nossos moralismos são ridicularizados, nossas liturgias são chamadas de cansativas, e nossas justiças próprias são chamadas de trapos de imundícia. Pode haver algo mais afrontoso para a natureza humana do que esse estado de absoluta impotência no qual a graça coloca a todos nós? Não! E por isso que o legalismo é o supremo ato de rebelião contra Deus. O legalismo é mais blasfemo do que o desconhecimento de Deus (Rm. 2.12-16). O sincretismo, o paganismo e a promiscuidade suscitaram menos a ira de Jesus do que o legalismo que lutava contra a graça. Todos nós ficamos possuídos por um desejo obcecante de justiça própria. Temos obcecante desejo por nos mostrar justos e retos. Nossa maior idolatria é aquela na qual nós mesmos somos os "nichos" e os “santos" do nosso culto moral. Nosso maior prêmio é sermos vistos como justos pela nossa comunidade. Ora, nesse sentido, nós, "religiosos", somos menos suscetíveis à graça de Deus do que as meretrizes e os pecadores da nossa sociedade? Eles já estão "como canas quebradas e como torcidas que fumegam" (Mt 12.20). Eles já perderam a chance de lutar pela sua justiça própria. Foi por isso que eles foram os mais receptivos à graça de Deus durante o ministério de Jesus.

Eu quero dizer que a única maneira de receber o beneficio da graça de Jesus que nos santifica é mediante a aceitação da nossa total incapacidade de justificar o que Deus fez e está fazendo em nós. Somente quando nossas armas estão completamente depostas é que o Espírito pode atuar em nós, a fim de nos fazer entrar no profundo processo da santificação. Cristo já fez tudo na Cruz. O que nos resta é exorcizar os demônios das nossas pretensões religiosas, a fim de sermos suficientemente simples para receber aquilo que só os humildes de espírito admitem: a graça de Deus.


Paginas 38 a 47 de Oração Para Viver e Morrer, escrito por Caio Fábio em 1992 e publicado em 1994.