quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Diabo, por C. S. Lewis


A mais comum de todas as questões a mim colocada, é se eu creio na existência do Diabo. Então eu digo: se por Diabo você está pensando num poder em oposição a Deus, como Deus, que seja auto-existente desde a eternidade, minha resposta é não.
Não há nenhum ser não-criado exceto Deus. Deus não tem um oposto a Ele. Nenhum ser poderia atingir maldade perfeita a fim de poder competir com a perfeita bondade de Deus. Isso porque, se desse ser tirássemos todas as coisas boas como inteligência, vontade, memória e energia, não ficaria nada que pudesse fazer esse ser existir.
A questão correta, portanto, é se eu acredito em diabos. E minha resposta é sim, eu creio na existência deles. E assim dizendo, afirmo que creio em anjos, tanto quanto creio que
alguns deles, abusando de seu livre arbítrio, se tornaram inimigos de Deus e dos homens. Esses seres eu chamo de diabos. Eles não diferem como criaturas dos anjos bons, mas a natureza deles ficou depravada. O Diabo é o oposto de anjo somente na mesma medida em que um homem mau é o oposto de um homem bom.Satanás, o líder desses diabos, está em equivalência oposta não a Deus, mas a Miguel, o arcanjo.
E com isto também quero dizer que não vejo esses seres como eles costumam ser pintados nas nossas artes e literaturas. Eles não são morcegos, bodes ou outros animais. Eles são seres com poderes extraordinários, e o maior deles é sua sutileza.
Anjos maus, à semelhança de homens maus, são absolutamente práticos. Eles agem baseados apenas em dois motivos: o primeiro é medo de punição, por isso eu creio que o inferno se aprofunda em suas próprias formas de tortura e sofrimento.
O segundo motivo é fome. Eu penso que, num nível espiritual, os diabos são capazes de comer uns aos outros, e a nós. Mesmo entre nós, humanos, a gente vê essa fome em ação quando algumas pessoas dizem que estão apaixonadas. Em geral, quando isto acontece, vê-se alguém desejar tanto o outro que não se satisfaz com nada menos que a absorção do outro, com suas energias, sonhos, desejos e vida, a tal ponto que há até quem morra com essa fome.

C. S. Lewis, em Cartas do Inferno.