domingo, 24 de abril de 2011

Morre o "deus vivo"


http://glo.bo/e1biEJ



Baghavan Sri Sathya Sai Baba, pseudônimo de Sathya Narayana Raju foi um guru indiano. É considerado por muitos como um Avatar (encarnação numa forma humana de um ser divino). O próprio Sai dizia ser a segunda de uma tríplice encarnação: teria sido Shirdi Sai Baba, e futuramente será Prema Sai Baba. Nasceu em 23 de novembro de 1926, numa pequena vila no sul da Índia, chamada Puttaparthi, no estado de Andhra Pradesh. 
fonte: Wikipédia.


Morreu o "deus vivo"! Está é uma afirmação um tanto quanto estranha, pra não dizer contraditória. Mas não mais estranha do que a alegação cristã de que Deus se fez homem em Cristo, morreu em uma cruz e ressuscitou ao terceiro dia.

Hoje é domingo de Páscoa, quando nós, que cremos na obra de Cristo, celebramos sua ressurreição, e comemoramos sua vitória sobre a morte, vitória esta que dá a todos quantos creem garantia de vida eterna pela fé em Jesus.

Os seguidores de Sathya alegam que ele fez milagres, curas, previu o futuro, e muitas outras coisas extraordinárias. Assim afirmam que Sathia é o seu "deus vivo", assim como nós cristãos cremos ser Jesus o nosso Deus vivo. Se olharmos para a história de Sathia, seus feitos, o fato de ter sido seguido por multidões, e de ser considerado deus por seus discípulos, podemos achar paralelos muito impressionantes com a história de Jesus.

Contudo as semelhanças não vão muito longe, as diferenças são muito mais marcantes que as similitudes. Sathya morreu depois de passar vários dias em um bom hospital, lutando contra sua própria doença, recebeu cuidados dignos, o que deve ser direito de todo SER HUMANO, Sathia certamente passará por um funeral pomposo, terá seu corpo preparado com todos os rituais e honras funerárias regulamentares. E finalmente deve ser cremado conforme o costume hindu, e seu corpo será destrído completamente, desaparecendo pra sempre e deixando orfãos seus fieis.

Já Cristo, não morreu nem foi assassinado, diz ele: "Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai." Ele se sacrificou por todos nós, não lutou contra a morte enquanto estava "vivo", mas a venceu depois de ter entrado na morte. Não recebeu cuidado algum, foi torturado, humilhado, surrado, cuspido, e abandonado por todos na sua morte. Após morto foi sepultado sem que os rituais funerais judaicos pudessem ser feitos a contento. Mas, seu corpo não viu a corrupção, não foi cremado, não se deteriorou, mas foi ressuscitado ao terceiro dia e hoje VIVE ETERNAMENTE pois ele verdadeiramente é DEUS VIVO!

Sathya alegava que seus seguidores não precisavam abandonar suas religiões originais, pois ele cria em um único Deus que teria formado todas as religiões. Eu porém vos digo, que todo aquele que queira seguir a Cristo deve abandonar toda e qualquer religião ou religiosidade, pois Ele, somente Ele é o caminho a verdade e a vida! Ele une o homem a Deus, sendo ele mesmo o elo de reunião entre Deus e homens, não havendo portanto, possibilidade de seguir a Jesus e manter ruma religião.

Sathya concediam, em certas ocasiões, aos seus devotos o grande privilégio de terem uma entrevista com ele. Cristo enquanto em seu ministério terreno, aceitava a todos quantos o procuravam, ele estava nas ruas, nas praças, nas festas, nos guetos e era acessível a governadores, ministros, pescadores, cobradores de impostos, cegos, leprosos, hemorrágicas, prostitutas e ladrões. Hoje, ressurreto, ele não concede intrevistas e nem aceita visitas de ninguém, ao contrário ele vivem dentro de quem o aceita, estando acessível 24 horas por dia!

Eu poderia ficar o meu domingo inteiro apontando diferenças entre Sathya e Jesus, mas seria inútil, pois aqueles que seguem a Sathia só sabem sobre Sathia por lerem sobre ele, mas aqueles que são de Cristo só podem saber dele tendo sido cheios dele, e guardando-o no seu interior, não se pode entender ou compreender a Cristo pela leitura de textos como este ou como outro qualquer, só se pode saber de Cristo estando nEle e sendo dEle habitação.

Assim sendo, deixo este texto, inútil, apenas como testemunho da minha compreensão do que seja Páscoa, e do que seja a verdade em mim impressa. A todos quantos entendem essa Páscoa Graça, misericórdia e paz no Senhor!!! Feliz Páscoa!!!

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Diabo, por C. S. Lewis


A mais comum de todas as questões a mim colocada, é se eu creio na existência do Diabo. Então eu digo: se por Diabo você está pensando num poder em oposição a Deus, como Deus, que seja auto-existente desde a eternidade, minha resposta é não.
Não há nenhum ser não-criado exceto Deus. Deus não tem um oposto a Ele. Nenhum ser poderia atingir maldade perfeita a fim de poder competir com a perfeita bondade de Deus. Isso porque, se desse ser tirássemos todas as coisas boas como inteligência, vontade, memória e energia, não ficaria nada que pudesse fazer esse ser existir.
A questão correta, portanto, é se eu acredito em diabos. E minha resposta é sim, eu creio na existência deles. E assim dizendo, afirmo que creio em anjos, tanto quanto creio que
alguns deles, abusando de seu livre arbítrio, se tornaram inimigos de Deus e dos homens. Esses seres eu chamo de diabos. Eles não diferem como criaturas dos anjos bons, mas a natureza deles ficou depravada. O Diabo é o oposto de anjo somente na mesma medida em que um homem mau é o oposto de um homem bom.Satanás, o líder desses diabos, está em equivalência oposta não a Deus, mas a Miguel, o arcanjo.
E com isto também quero dizer que não vejo esses seres como eles costumam ser pintados nas nossas artes e literaturas. Eles não são morcegos, bodes ou outros animais. Eles são seres com poderes extraordinários, e o maior deles é sua sutileza.
Anjos maus, à semelhança de homens maus, são absolutamente práticos. Eles agem baseados apenas em dois motivos: o primeiro é medo de punição, por isso eu creio que o inferno se aprofunda em suas próprias formas de tortura e sofrimento.
O segundo motivo é fome. Eu penso que, num nível espiritual, os diabos são capazes de comer uns aos outros, e a nós. Mesmo entre nós, humanos, a gente vê essa fome em ação quando algumas pessoas dizem que estão apaixonadas. Em geral, quando isto acontece, vê-se alguém desejar tanto o outro que não se satisfaz com nada menos que a absorção do outro, com suas energias, sonhos, desejos e vida, a tal ponto que há até quem morra com essa fome.

C. S. Lewis, em Cartas do Inferno.

sábado, 17 de julho de 2010

Palavras de um bêbado.



- Porque te lastimar? – bradou o dono da tasca, que apareceu novamente com dois homens.

Gargalhadas misturadas a impropérios estouravam no salão. Eram os ouvintes do funcionário que riam e zombavam. Os demais, que não o tinham ouvido, juntavam-se aos outros apenas para ver a sua cara.

- Lastimar-me? É por que me lastimarão eles – gritou de repente Marmeládov, levantando-se, agitando os braços, exaltado, como se não ouvisse senão palavras. – “Por que lastimar?”, disseste. Sim, o caso não é para lastimar, é preciso crucificar-me, pregar-me num cruz e não me lastimar. Crucifique-me, pois, juiz, faça-o e, crucificando-me, tenha dó do sacrificado. Então eu mesmo superarei o próprio suplício porque não é de alegria que tenho sede, mas de dor e de lágrimas. Acreditas, porventura, vendeiro, que tua meia garrafa me trouxe prazer? É a dor, a dor que procuro no fundo destes frascos, a dor e as lágrimas. Encontrei-as e sorvi-as. Porém não precisaremos apiedar-nos porque Aquele que teve piedade de todos os homens, Aquele que tudo compreendeu, o Único e nosso primeiro julgador, voltará no dia do Juízo e perguntará: “Onde está a virgem que se sacrificou por uma madrasta cruel e tísica, por crianças que não são suas irmãs? Onde está a filha que se apiedou de seu pai terrestre e não voltou a face, horrorizada, a esse bêbado crapuloso?”. Ele lhe dirá: “Vem. Já te perdoei uma vez... perdoei uma vez... E, agora, que todos os teus pecados te sejam remidos, porque muito amaste...”. E Ele perdoará a minha Sônia. Ele a perdoará, eu sei Ele a perdoará... Eu senti, há pouco, em meu coração, quando estive em sua casa. todos serão julgados por Ele, os bons e os maus, os sábios e os humildes, e nós ouviremos o seu verbo: Aproximai”, dirá Ele, “aproximai também os bêbados, as criaturas fracas e modestas”. Avançaremos todos, sem temor, pararemos diante d’Ele, que dirá: “Sois porcos, tendes a aparência do animal, trazeis a sua marca, mas vinde também”. Então, para Ele se voltarão os sensatos e os sábios e eles exclamarão: “Senhor, por que recebeis aqueles outros?”. E Ele lhes dirá: “Eu os recebo, ó sensatos, eu os recebo, ó sábios, porque nenhum deles se julgou digno dessa graça.” E Ele nos estenderá seus braços divinos e nós nos precipitaremos para eles... E nos desfaremos em lágrimas. E compreenderemos tudo... Então, compreenderemos tudo... E todos compreenderão... Ekaterína Ivánovna também compreenderá... Senhor, que o Teu reino não tarde mais!

 
Trecho do livro Crime e Castigo, de Fiodor Dostoiévski (primeira parte). É o que estou lendo nestas férias da facu, fica como indicação pra quem gosta de boa leitura.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Tempo de Mitral


Não poderia mesmo dar certo, quando começou errado. Muitas vezes os cristãos lamentam o fato de a cada ano o espírito de natal estar mais corrompido pelo consumismo e pelas idéias pagãs acerca do significado desta data.

Mas não há razão na queixa cristã, haja visto que a igreja se baseou em elementos pagãos para fundar o tal espírito natalino.

Comemorar o nascimento de Cristo nunca foi uma preocupação dos apóstolos, comemoravam a sua morte e ressurreição, visto que é na morte e ressurreição de Cristo que temos nossa redenção. Quando Constantino comprou a filosofia cristã e contratou os bispos católicos no quarto século, a concorrência do mitraísmo era o maior obstáculo à unificação religiosa pretendida pelo imperador, para criar uma unidade dentro de seus domínios universais.

Os adoradores de Mitra haviam penetrado no seio do império no primeiro século antes de Cristo, quando chegaram prisioneiros da ilha de Cilícia, e desde então difundiram sua religião por todo o território, uma vez que seus rituais caíram nas graças dos soldados romanos, que logo o levaram por todas as partes do império.

Assim, no tempo da institucionalização da igreja cristã como religião oficial do império, Constantino precisava dar aos milhares, talvez milhões de adoradores de Mitra, uma correspondência, como forma de compensação, no cristianismo que estava empurrando goela abaixo dos seus súditos. Constantino não escolheu o Cristianismo por ser um crente fiel. Dentre as candidatas a nova religião estatal, as duas que se destacavam, como novas doutrinas para substituir o antigo e defasado culto aos ancestrais e a vários deuses, eram o Mitraísmo e o Cristianismo. A escolha pelo cristianismo deve-se basicamente por dois motivos, o primeiro é que o mitraísmo não era uma religião de massa, era uma religião de mistérios, mulheres não podiam participar, os rituais eram permitidos apenas aos iniciados nos mistérios;e segundo porque o mitraísmo não aceitaria a união com o poder do estado. Assim o cristianismo foi a escolha: uma religião que incluía a todos e que aceitou se tornar lacaia do imperador.

Contudo, era necessário garantir que os adoradores de Mitra não causariam muitos problemas para aceitar a nova religião oficial e obrigatória do império, a solução foi criar o “Natal” elegendo o dia 25 de dezembro, quando era comemorado o dia do nascimento de Mitra como sendo também o dia do nascimento de Cristo. Além disso, os oficiais da igreja cristã adotaram vestimentas semelhantes às usadas pelos sacerdotes de mitra (como a tiara e a mitra, além dos barretes), além da utilização do incenso, velas e sinos em suas celebrações. Assim estava feita a correspondência entre o deus Mitra e o deus que inventaram para o cristianismo estatizado desde então.

Quando a igreja abandonou Jesus, para inventar um novo ícone popular, com data de nascimento e indumentária próprios do paganismo, na forma do mitraísmo, ela criou um espírito de natal pagão, assim fica fácil entender porque não deu certo, já começou errado! O Império Romano e a igreja são os responsáveis por todo este festival de consumismo revestido de sincretismo pagão que suplantaram a pseudo comemoração do nascimento de Jesus.

Não se pode querer comemorar o dia do nascimento daquele que é desde a eternidade, e que nasce todos os dias no interior de quem se arrepende e se entrega ao seu amor. Não é possível saber o dia em que Jesus nasceu, os primeiros cristãos não se importaram em registrar isso nas escrituras, porque a igreja foi fundada na morte e não no nascimento de Cristo. “Então é natal, a festa mitral” deveria ser assim a tradução feita por Cláudio Rabello, quando quis traduzir So This is Christmas. Natal de verdade seria a comemoração diária dos cristãos que verdadeiramente experimentaram o nascimento de Cristo em suas vidas, deixando que ele cresça a cada dia e que o “eu” diminua, até que Ele seja tudo em todos!

Feliz Mitral a todos, e felizes os que vivem de natal em natal e que podem como Paulo dizer: “Eu protesto que cada dia morro”... pois pra estes o viver é Cristo, e o morrer é ganho.

domingo, 25 de outubro de 2009

Sai dela povo meu!!


Há um só Deus, que se revelou como Pai, Filho e Espírito Santo; sendo, no entanto, um só Deus; e tal realidade divina pode ser por nós apenas crida, mas jamais entendida. Ora, sem fé é impossível agradar a Deus!
Tudo e todos os que existem foram criados por Deus e para Deus; e Deus ama a todas as Suas criaturas e criações; posto que sendo amor a natureza de Deus, tudo o que Ele criou por amor o criou.
Deus é Amor; portanto, Deus é Graça; visto que somente no Amor há Graça; sendo também esta a razão de Deus haver feito o Sacrifício Eterno pela Sua criação e todas as Suas criaturas, antes mesmo de criar qualquer coisa; posto que o Cordeiro Eterno de Deus, que é também o Filho, entregou-se como Redenção e Remissão de pecados antes que qualquer coisa, ente, criatura ou dimensão tivessem sido criadas.
As transgressões que houve e há na criação, não demandaram de Deus um “improviso”, um remendo; posto que a Graça do amor de Deus revelado aos homens não seja um improviso, mas a consecução do amor que já se dispusera a tudo por amor à criação antes de haver mundo.
Deus é amor, é, portanto, Pessoa; pois não há amor sem pessoalidade. Por isto ao criar seres capazes da pessoalidade, Deus chamava a Sua criação a um vinculo de relacionalidade com Ele, em amor, verdade e graça.
Sendo Deus Eterno e Infinito, e o homem mortal e finito, não há meios de o homem ou qualquer criatura discernirem Quem Deus é a menos que Deus faça revelação de Si mesmo.
Portanto, tudo quanto de Deus possa ser sabido nos vem exclusivamente por revelação; seja a revelação Dele mediante a Natureza das coisas criadas, seja pela iluminação da consciência, seja pelas Escrituras que decorreram da fé de Abraão, seja pela ciência como apreensão da revelação livre que Deus faz de Si mesmo.
A Palavra de Deus, portanto, se manifesta de muitos modos; entretanto, uma só é a Palavra; e toda a sua revelação está manifesta em Jesus, que é o Verbo Eterno, a Palavra antes de qualquer Natureza, Consciência, Ciência ou Escritura; posto que somente em Jesus seja possível discernir Deus em Sua plenitude de revelação aos homens. Afinal, Jesus disse: “Quem me vê a mim, vê o Pai” [...] “Eu e o Pai somos Um”.
Sendo Deus Eterno e totalmente transcendente ao homem, tudo o que Dele nos venha é Graça; e sem Graça, favor divino em todas as coisas, nada pode ser por nós apreendido como bem eterno em razão de nossa incapacidade de discernir o Eterno e Infinito, especialmente quanto a aprender a Sua vontade.
Além disso, pela mesma razão, somente se pode manter relação com Deus mediante a fé, posto que a fé se abra para todas as coisas, visíveis e invisíveis; e mais: somente a fé não conhece impossível; portanto, somente pela fé se pode manter vinculo com Aquele está para além de toda compreensão.
Ora, sendo Jesus o Cordeiro Eterno de Deus que se manifestou na História, o fez no mesmo espírito da Graça Eterna, a mesma concedida à criação e às criaturas antes que houvesse mundo. Por isto Jesus não é o Deus dos cristãos, nem de qualquer grupo humano, nem o fundador do Cristianismo, nem o Deus dos crentes que assim se confessem apenas pela filiação a uma agremiação religiosa... Antes pelo contrário, Ele é a verdadeira Luz que vinda ao mundo ilumina a todos os homens; posto que Jesus tenha sido apresentado a nós como pertencendo a uma Ordem Sacerdotal Superior, não religiosa, não humana, e que é descrita como sendo a Ordem de Melquizedeque, na qual todos os seres humanos, sabendo ou não de tamanha Graça a eles disponível em Cristo, nela estão incluídos por uma decisão unilateral do amor de Deus; posto que Deus estivesse em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo.
Desse modo, tudo quanto concerne ao homem como necessidade, surge de Deus como solução do amor na Graça; a saber: arrependimento, fé, salvação, redenção, perdão, justificação, alegria, santificação e esperança eterna. Assim, não há nada que seja essencial ao homem que seja provisão do homem para o homem; pelo contrário, tudo provém de Deus.
Por esta razão o povo de Deus é o Povo da Graça; pois, quem quer que esteja em Deus só o está em razão de ter sido incluído gratuitamente em tão grande salvação.
Além disso, esse Povo de Deus é chamado a tornar-se seguidor de Deus nos passos de Jesus; e, por isto, só é Povo de Deus [e, portanto, Igreja], aquele que se entregar a Deus apenas crendo que no Cordeiro Eterno, Cristo Jesus, Tudo Está Consumado; não restando ao homem nada a fazer a fim de completar o que já estava Feito antes de haver mundo.
É porque o Evangelho é assim, e porque Jesus assim ensina, e, além disso, por ter sido apenas este o Fundamento Apostólico sobre o qual a revelação da Nova Aliança se deu, é que afirmamos com temor e santo temor que:
O que se fez nesses 1700 anos de História Cristã Romana, da qual a própria Reforma Protestante não deixou de ser herdeira, rompendo com muitas coisas, mas não com todas, tornando-se assim, de certa forma, apenas uma Re-forma, mas não uma Revolução de sentidos, conteúdos, e, sobretudo, de simplificação não de formas, mas de espírito — é ainda algo totalmente insatisfatório; posto que seja ainda um reformar, mas não uma ruptura de conteúdos, de dogmas, de doutrinas humanas, de lógicas mundanas, todas elas criadas pelo Pai do Cristianismo e seus auxiliares históricos: o Imperador Constantino.
Que o que provocou a Reforma nos dias dos Reformadores do Século XVI, tornou-se algo revivido com ênfases e disfarces de maldade ainda maior entre nós, hoje; posto que agora tudo seja feito com máscaras do “nome de Jesus”, porém, com modos que fazem as vendas de Indulgências que deram pavio ao fogo da Reforma, tornarem-se temas inocentes de presépio infantil.
Que as barganhas, as negociatas, as campanhas de exploração da credulidade do povo, o uso perverso da Bíblia, o espírito de troca e comercio, as maldições e ameaças pronunciadas “em nome de Jesus”, os novos apóstolos do dinheiro e da prosperidade, o desenfreado comercio da fé como produto, a utilização de todos as formas de manipulação e engano, as inegáveis manifestações de ações criminosas em nome da fé, o uso político da igreja e do nome de Jesus, e tudo quanto entre nós hoje se define como “igreja” e sua prática histórica, não mais é que um estelionato sem tamanho e medida, e que faz a Igreja Católica do Século XVI uma entidade de bruxos aprendizes daqueles que entre nós hoje são pastores, bispos, apóstolos e candidatos diabólicos à divindade.
Que não é mais possível usar termos como “evangélico”, que deveria significar “aquilo que carrega a qualidade do Evangelho”, nem termos como “Igreja”, que deveria apenas ser a assembléia dos crentes no Jesus dos Evangelhos — posto que “evangélico” tenha se tornado aquilo que no Evangelho é descrito como sendo anti-evangélico, e “Igreja” tenha se tornado aquilo que no Evangelho é apenas uma multidão perdida e sem pastor, tamanho é o descaminho dos seus guias e condutores do engano.
Que não é mais possível conviver passivamente com tamanho engano blasfemo, sob pena de nos tornarmos indesculpáveis diante de Deus, desta geração, e das que ainda virão.
Que hoje se ouve a Voz de Deus, dizendo como fez antes muitas vezes, e no futuro ainda voltará a dizer: “Sai do meio dela, ó povo meu!” Sim, pois “o Senhor conhece os que Lhe pertencem”; e deseja separar Seu Povo do convívio perverso não no “mundo”, mas, sobretudo, no “ambiente chamado ‘igreja’”; posto que, pela anuência silenciosa, estamos corroborando o engano para aqueles que não sabem discernir entre a mão direita e a esquerda.
Portanto, convidamos a todo aquele que ainda crê em Jesus segundo a pureza do Evangelho, que assuma hoje, e para sempre, uma total ruptura com tudo aquilo que se disfarça sob o nome de Jesus, mas que nada mais é do que manifestação do engano, até que chegue o Dia quando todo “Senhor, Senhor” que não teve correspondência de obediência ao Evangelho, de Jesus ouvirá o terrível “Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim todos vós que praticais a iniqüidade”.
Aqui, sem alarde, com total sinceridade no Evangelho, convidamos você a abraçar a busca da Regeneração; pois, o que a “igreja” precisa a fim de se tornar Igreja, segundo Jesus, é de Regeneração, de conversão, de arrependimento e de iluminação do Evangelho na Graça de Deus.
Portanto, não temos barganhas a fazer com tudo aquilo que, mesmo sendo anunciado “em nome de Jesus”, nada tenha de Jesus e do Evangelho; e assim fazemos porque temos certeza de que seremos cobrados por Deus se nos mantivermos alheios, silenciosos, perversamente educados no nosso assistir da mentira na sua prevalência histórica contra a verdade e a simplicidade do Evangelho.
Estas são as teses puras e simples deste momento/tempo de Busca de Regeneração de nós mesmos no Evangelho. Quem diz amém ao Evangelho de Jesus, esse não temerá viver todas as implicações dessa decisão proposta não como Reforma, mas como Regeneração.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Feirante


Arruma a cangalha na cacunda que a rapadura é doce mas não é mole não

E genipapo no balaio pesa,

Anda, aperta o passo pra chegar ligeiro,

Farinha boa se molhar não presta

Olha lá na curva a chuva no lagedo

Quem foi que te disse que a vida é um mar de rosas?

Rosas têm espinhos, e pedras no caminho

Daqui até a cidade é pra mais de tantas léguas

Firma o passo, segue em frente,

Que essa luta não tem trégua

Fica na beira da estrada quem o fardo não carrega

A granel felicidade não custeia o lavrador

Vamos embora que a jornada é muito longa

E não há mais tempo de chorar por mais ninguém

Lá na feira a gente compra, a gente vende,

A gente pede, até barganha aquilo que comprou

E te prometo que depois no fim de tudo na Quitanda da Esperança

Eu te compro um sonho de açucar mascavo embrulhado num papel de seda azul

[Só] Pra te consolar ôh


João Alexandre

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Sermão da Sexagésima


O texto abaixo é uma adaptação dos capítulos IX e X de um sermão pregado em Lisboa no ano de 1655. Acho que serve bem aos dias atuais, e prova o fato de que a "igreja" vem repetindo os mesmos erros por séculos. A indignação do pregador com homens que se diziam ministros e pregavam interesses próprios ilustra bem a minha indignação com uma geração de homens que fazem o mesmo hoje. E ainda dizem que eu é quem estou desviado... boa leitura, medite no que está escrito.


As palavras que tomei por tema o dizem. As sementes são a Palavra de Deus. Sabeis, Cristãos, a causa por que se faz hoje tão pouco fruto com tantas pregações? É porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não são palavras de Deus. Falo do que ordinariamente se ouve. A palavra de Deus (como diria) é tão poderosa e tão eficaz, que não só na boa terra faz fruto, mas até nas pedras e nos espinhos nasce. Mas se as palavras dos pregadores não são palavras de Deus, que muito que não tenham a eficácia e os efeitos da palavra de Deus? Diz o Espírito Santo: «Quem semeia ventos, colhe tempestades». Se os pregadores semeiam vento, se o que se prega é vaidade, se não se prega a palavra de Deus, como não há a Igreja de Deus de correr tormenta, em vez de colher fruto?
Mas dir-me-eis: os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus. As palavras de Deus, pregadas no sentido em que Deus as disse, são palavras de Deus; mas pregadas no sentido que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras do Demônio. Tentou o Demônio a Cristo a que fizesse das pedras pão. Respondeu-lhe o Senhor: nem só de pão viverá homem, mas de tudo o que sai da boca de Deus. Esta sentença era tirada do capítulo oito do Deuteronômio. Vendo o Demônio que o Senhor se defendia da tentação com a Escritura, leva-o ao Templo, e alegando o lugar do salmo 91, diz-lhe desta maneira: «Se tu és o Filho de Deus, lança-te de aqui abaixo; porque está escrito: Que aos seus anjos dará ordens a teu respeito, E tomar-te-ão nas mãos, Para que nunca tropeces em alguma pedra.» De sorte que Cristo defendeu-se do Diabo com a Escritura, e o Diabo tentou a Cristo com a Escritura. Todas as Escrituras são palavra de Deus: pois se Cristo toma a Escritura para se defender do Diabo, como toma o Diabo a Escritura para tentar a Cristo? A razão é porque Cristo tomava as palavras da Escritura em seu verdadeiro sentido, e o Diabo tomava as palavras da Escritura em sentido alheio e torcido; e as mesmas palavras, que tomadas em verdadeiro sentido são palavras de Deus, tomadas em sentido alheio, são armas do Diabo. As mesmas palavras que, tomadas no sentido em que Deus as disse, são defesa, tomadas no sentido em que Deus as não disse, são tentação. Eis aqui a tentação com que então quis o Diabo derrubar a Cristo, e com que hoje lhe faz a mesma guerra do pináculo do templo. O pináculo do templo é o púlpito, porque é o lugar mais alto dele. O Diabo tentou a Cristo no deserto, tentou-o no monte, tentou-o no templo: no deserto, tentou-o com a gula; no monte, tentou-o com a ambição; no templo, tentou-o com as Escrituras mal interpretadas, e essa é a tentação de que mais padece hoje a Igreja, e que em muitas partes tem derrubado dela, senão a Cristo, a sua fé. Dizei-me, pregadores (aqueles com quem eu falo indignos verdadeiramente de tão sagrado nome), dizei-me: esses assuntos inúteis que tantas vezes levantais, essas empresas ao vosso parecer agudas que prosseguis, achaste-las alguma vez nos Profetas do Velho Testamento, ou nos Apóstolos e Evangelistas do Novo Testamento, ou no autor de ambos os Testamentos, Cristo? É certo que não, porque desde a primeira palavra do Gênesis até à última do Apocalipse, não há tal coisa em todas as Escrituras. Pois se nas Escrituras não há o que dizeis e o que pregais, como cuidais que pregais a palavra de Deus? Mais: nesses lugares, nesses textos que alegais para prova do que dizeis, é esse o sentido em que Deus os disse? É esse o sentido que pretendiam os escritores? É esse o sentido da mesma gramática das palavras? Não, por certo; porque muitas vezes as tomais pelo que soam e não pelo que significam, e talvez nem pelo que soam. Pois se não é esse o sentido das palavras de Deus, segue-se que não são palavras de Deus. E se não são palavras de Deus, porque nos queixamos que não façam fruto as pregações? Basta que havemos de trazer as palavras de Deus a que digam o que nós queremos, e não havemos de querer dizer o que elas dizem?! E então ver cabecear o auditório a estas coisas, quando devíamos de dar com a cabeça pelas paredes de ouvi-las! Verdadeiramente não sei de que mais me espantar, se dos nossos conceitos, se dos vossos aplausos? Oh, que bem levantou o pregador! Assim é; mas que levantou? Um falso testemunho ao texto, outro falso testemunho ao santo, outro ao entendimento e ao sentido de ambos. Então que se converterá o mundo com falsos testemunhos da palavra de Deus? Se a alguém parecer demasiada a censura, ouça-me.
Estava Cristo acusado diante de Caifás, e diz Mateus que por fim vieram duas testemunhas falsas. Estas testemunhas referiram que ouviram dizer a Cristo que, se os Judeus destruíssem o templo, ele o tornaria a reedificar em três dias. Se lermos João, acharemos que Cristo verdadeiramente tinha dito as palavras referidas. Pois se Cristo tinha dito que havia de reedificar o templo dentro em três dias, e isto mesmo é o que referiram as testemunhas, como lhes chama o Evangelista testemunhas falsas? O mesmo João deu a razão. Quando Cristo disse que em três dias reedificaria o templo, falava o Senhor do templo místico de seu corpo, o qual os Judeus destruíram pela morte e o Senhor o reedificou pela ressurreição; e como Cristo falava do templo místico e as testemunhas o referiram ao templo material de Jerusalém, ainda que as palavras fossem verdadeiras, as testemunhas eram falsas. Eram falsas, porque Cristo as dissera em um sentido, e eles as referiram em outro; e referir as palavras de Deus em diferente sentido do que foram ditas, é levantar falso testemunho a Deus, é levantar falso testemunho às Escrituras. Ah, Senhor, quantos falsos testemunhos vos levantam! Quantas vezes ouço dizer que dizeis o que nunca dissestes! Quantas vezes ouço dizer que são palavras vossas, o que são imaginações minhas, que me não quero excluir deste número! Que muito logo que as nossas imaginações, e as nossas vaidades, e as nossas fábulas não tenham a eficácia de palavra de Deus!
Miseráveis de nós, e miseráveis dos nossos tempos! Pois neles se veio a cumprir a profecia de Paulo: Virá tempo em que os homens não sofrerão a sã doutrina. Mas para seu apetite terão grande número de pregadores feitos a montão e sem escolha, os quais não façam mais que adular-lhes as orelhas. E desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas. Fábula tem duas significações: quer dizer fingimento e quer dizer comédia; e assim são muitas pregações deste tempo. São fingimento, porque são sutilezas e pensamentos aéreos, sem fundamento de verdade; são comédia, porque os ouvintes vêm à pregação como à comédia; e há pregadores que vêm ao púlpito como comediantes. Uma das felicidades que se contava entre as do tempo presente era acabarem-se as comédias em Portugal; mas não foi assim. Não se acabaram, mudaram-se; passaram-se do teatro ao púlpito. Não cuideis que encareço em chamar comédias a muitas pregações das que hoje se usam. Tomara ter aqui as comédias de Plauto, de Terêncio, de Séneca, e veríeis se não achariam nelas muitos desenganos da vida e vaidade do Mundo, muitos pontos de doutrina moral, muito mais verdadeiros, e muito mais sólidos, do que hoje se ouvem nos púlpitos. Grande miséria por certo, que se achem maiores documentos para a vida nos versos de um poeta profano, e gentio, que nas pregações de um orador cristão, e muitas vezes, sobre cristão, religioso!
Pouco disse Paulo em lhe chamar comédia, porque muitos sermões há que não são comédia, são farsa. Sobe talvez ao púlpito um pregador dos que professam serem mortos ao mundo, vestido ou amortalhado em um hábito de penitência; a vista é de horror, o nome de reverência, a matéria de compunção, a dignidade de oráculo, o lugar e a expectação de silêncio; e quando este se rompeu, que é o que se ouve? Se neste auditório estivesse um estrangeiro que nos não conhecesse e visse entrar este homem a falar em público naqueles trajos e em tal lugar, cuidaria que havia de ouvir uma trombeta do Céu; que cada palavra sua havia de ser um raio para os corações, que havia de pregar com o zelo e com o fervor de um Elias, que com a voz, com o gesto e com as ações havia de fazer em pó e em cinza os vícios. Isto havia de cuidar o estrangeiro. E nós que é o que vemos? Vemos sair da boca daquele homem, assim naqueles trajos, uma voz muito afetada e muito polida, e logo começar com muito desgarro, a quê? A motivar desvelos, a acreditar empenhos, a requintar finezas, a lisonjear precipícios, a brilhar auroras, a derreter cristais, a desmaiar jasmins, a toucar primaveras, e outras mil indignidades destas. Não é isto farsa a mais digna de riso, se não fora tanto para chorar? Na comédia o rei veste como rei, e fala como rei; o lacaio, veste como lacaio, e fala como lacaio; o rústico veste como rústico, e fala como rústico; mas um pregador, vestir como religioso e falar como... não o quero dizer, por reverência do lugar. Já que o púlpito é teatro, e o sermão comédia se quer, não faremos bem a figura? Não dirão as palavras com o vestido e com o ofício? Assim pregava Paulo, assim pregavam aqueles patriarcas que se vestiram e nos vestiram destes hábitos? Não louvamos e não admiramos o seu pregar? Não nos prezamos de seus filhos? Pois por que não os imitamos? Por que não pregamos como eles pregavam?

Dir-me-eis o que a mim me dizem, e o que já tenho experimentado, que, se pregamos assim, zombam de nós os ouvintes, e não gostam de ouvir. Oh, boa razão para um servo de Jesus Cristo! Zombem e não gostem embora, e façamos nós nosso ofício! A doutrina de que eles zombam, a doutrina que eles desestimam, essa é a que lhes devemos pregar, e por isso mesmo, porque é mais proveitosa e a que mais hão mister. O trigo que caiu no caminho comeram-no as aves. Estas aves, como explicou o mesmo Cristo, são os demônios, que tiram a palavra de Deus dos corações dos homens. Por que não comeu o Diabo o trigo que caiu entre os espinhos, ou o trigo que caiu nas pedras, senão o trigo que caiu no caminho? Porque o trigo que caiu no caminho, Pisaram-no os homens; e a doutrina que os homens pisam, a doutrina que os homens desprezam, essa é a de que o Diabo se teme. Os conceitos, os pensamentos, as sutilezas que os homens estimam e prezam, dessas não se teme nem se acautela o Diabo, porque sabe que não são essas as pregações que lhe hão de tirar as almas das unhas. Mas daquela doutrina que cai, daquela doutrina que parece comum; daquela doutrina que parece trivial; daquela doutrina que parece trilhada; daquela doutrina que nos põe em caminho e em via da nossa salvação (que é a que os homens pisam e a que os homens desprezam), essa é a de que o Demônio se receia e se acautela, essa é a que procura comer e tirar do Mundo; e por isso mesmo essa é a que deviam pregar os pregadores, e a que deviam buscar os ouvintes. Mas se eles não o fizerem assim e zombarem de nós, zombemos nós tanto de suas zombarias como dos seus aplausos. Diz Paulo: O pregador há de saber pregar com fama e sem fama. Mais diz o Apóstolo: Há de pregar com fama e com infâmia. Pregar o pregador para ser afamado, isso é mundo: mas infamado, e pregar o que convém, ainda que seja com descrédito de sua fama? Isso é ser pregador de Jesus Cristo.
Pois o gostarem ou não gostarem os ouvintes! Oh, que advertência tão digna! Que médico há que repare no gosto do enfermo, quando trata de lhe dar saúde? Sarem e não gostem; salvem-se e amargue-lhes, que para isso somos médicos das almas. Quais vos parece que são as pedras sobre que caiu parte do trigo do Evangelho? Explicando Cristo a parábola, diz que as pedras são aqueles que ouvem a pregação com gosto. Pois será bem que os ouvintes gostem e que no cabo fiquem pedras?! Não gostem e abrandem-se; não gostem e quebrem-se; não gostem e frutifiquem. De maneira que o frutificar não se ajunta com o gostar, senão com o padecer; frutifiquemos nós, e tenham eles paciência. A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena. Quando o ouvinte a cada palavra do pregador treme; quando cada palavra do pregador é um torcedor para o coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para casa confuso e atônito, sem saber parte de si, então é a preparação qual convém, então se pode esperar que faça fruto.
Enfim, para que os pregadores saibam como hão de pregar e os ouvintes a quem hão de ouvir, acabo com um exemplo: Pregavam em Coimbra dois famosos pregadores, ambos bem conhecidos por seus escritos. Altercou-se entre alguns doutores da Universidade qual dos dois fosse maior pregador; e como não há juízo sem inclinação, uns diziam este, outros, aquele. Mas um, que entre os mais tinha maior autoridade, concluiu desta maneira: «Entre dois sujeitos tão grandes não me atrevo a interpor juízo; só direi uma diferença, que sempre experimento: quando ouço um, saio do sermão muito contente do pregador; quando ouço outro, saio muito descontente de mim.»
Semeadores do Evangelho, eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões: não que os homens saiam contentes de nós, senão que saiam muito descontentes de si; não que lhes pareçam bem os nossos conceitos, mas que lhes pareçam mal os seus costumes, as suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições e, enfim, todos os seus pecados. Contanto que se descontentem de si, descontentem-se embora de nós. Dizia o maior de todos os pregadores, Paulo: Se eu contentara aos homens, não seria servo de Deus. Oh, contentemos a Deus, e acabemos de não fazer caso dos homens! Advirtamos que nesta mesma Igreja há tribunas mais altas que as que vemos: Acima das tribunas dos reis, estão as tribunas dos anjos, está a tribuna e o tribunal de Deus, que nos ouve e nos há-de julgar. Que conta há de dar a Deus um pregador no Dia do Juízo? O ouvinte dirá: Não mo disseram. Mas o pregador? Ai de mim, que não disse o que convinha! Não seja mais assim, por amor de Deus e de nós.


Pe. Antônio Vieira, Sermão da Sexagésima