sábado, 17 de julho de 2010

Palavras de um bêbado.



- Porque te lastimar? – bradou o dono da tasca, que apareceu novamente com dois homens.

Gargalhadas misturadas a impropérios estouravam no salão. Eram os ouvintes do funcionário que riam e zombavam. Os demais, que não o tinham ouvido, juntavam-se aos outros apenas para ver a sua cara.

- Lastimar-me? É por que me lastimarão eles – gritou de repente Marmeládov, levantando-se, agitando os braços, exaltado, como se não ouvisse senão palavras. – “Por que lastimar?”, disseste. Sim, o caso não é para lastimar, é preciso crucificar-me, pregar-me num cruz e não me lastimar. Crucifique-me, pois, juiz, faça-o e, crucificando-me, tenha dó do sacrificado. Então eu mesmo superarei o próprio suplício porque não é de alegria que tenho sede, mas de dor e de lágrimas. Acreditas, porventura, vendeiro, que tua meia garrafa me trouxe prazer? É a dor, a dor que procuro no fundo destes frascos, a dor e as lágrimas. Encontrei-as e sorvi-as. Porém não precisaremos apiedar-nos porque Aquele que teve piedade de todos os homens, Aquele que tudo compreendeu, o Único e nosso primeiro julgador, voltará no dia do Juízo e perguntará: “Onde está a virgem que se sacrificou por uma madrasta cruel e tísica, por crianças que não são suas irmãs? Onde está a filha que se apiedou de seu pai terrestre e não voltou a face, horrorizada, a esse bêbado crapuloso?”. Ele lhe dirá: “Vem. Já te perdoei uma vez... perdoei uma vez... E, agora, que todos os teus pecados te sejam remidos, porque muito amaste...”. E Ele perdoará a minha Sônia. Ele a perdoará, eu sei Ele a perdoará... Eu senti, há pouco, em meu coração, quando estive em sua casa. todos serão julgados por Ele, os bons e os maus, os sábios e os humildes, e nós ouviremos o seu verbo: Aproximai”, dirá Ele, “aproximai também os bêbados, as criaturas fracas e modestas”. Avançaremos todos, sem temor, pararemos diante d’Ele, que dirá: “Sois porcos, tendes a aparência do animal, trazeis a sua marca, mas vinde também”. Então, para Ele se voltarão os sensatos e os sábios e eles exclamarão: “Senhor, por que recebeis aqueles outros?”. E Ele lhes dirá: “Eu os recebo, ó sensatos, eu os recebo, ó sábios, porque nenhum deles se julgou digno dessa graça.” E Ele nos estenderá seus braços divinos e nós nos precipitaremos para eles... E nos desfaremos em lágrimas. E compreenderemos tudo... Então, compreenderemos tudo... E todos compreenderão... Ekaterína Ivánovna também compreenderá... Senhor, que o Teu reino não tarde mais!

 
Trecho do livro Crime e Castigo, de Fiodor Dostoiévski (primeira parte). É o que estou lendo nestas férias da facu, fica como indicação pra quem gosta de boa leitura.